12 janeiro 2006

weird



09.03 horas. O porteiro abre as portas do tribunal com o auxílio de uma roldana que se move à medida que roda a manivela. Lentamente, a portas abrem-se de par em ímpar.
O juiz presidente chega. Mal entra no átrio o porteiro desdobra à sua frente uma carpete vermelha que se vai deitando aos pés do magistrado. Este pára numa espécie de clarabóia e espera que os funcionários o puxem. Os funcionários agarram-se uns aos outros apanhando o último o cabelo do juiz que assim o puxa para o andar superior à medida que os funcionários vão recuando para que o juiz, erecto, possa voltar a caminhar no 1º andar.
No gabinete, a funcionária inala jactos de perfume que depois, abrindo a boca, asperge para o ar. Um senhor tem uma ficha ligada ao nariz e o juiz, ao sentar-se num cadeirão em forma de águia, puxa-lhe a orelha e acende a luz. Toca a despachar os processos. «Este vai para Angola, aquele para São Tomé, aqueloutro para Bombaim». Já está.
O juiz tem um julgamento! Há cinco meses que o juiz não ia à sala! Ao sair de preto, todos se alinham em sentido enquanto umas vestais atiram flores para o ar à medida que o juiz se dirige para a sala de julgamentos.
Quem é? É o Juiz! Aaah!
O juiz senta-se. Vai ser lida a sentença. Do interior da parede emergem dois lábios que começam falar. O arguido está de olhar fixo, por duas hastes de ferro, nos lábios. Os ditos lábios param, enquanto a funcionária lhes vai passando um pouco de baton glosso. O juiz está imóvel enquanto um mimo-estátua se rói de inveja por não o conseguir imitar. Os lábios param de se mexer. O juiz levanta-se: «Percebeu?». O arguido treme que nem um Papa ancião. «Mais ou menos». «Entrem os explicadores». Dois homens a rolar em patins percorrem toda a sala vezes sem conta atirando contra o arguido palavras dispersas. «Paga», «arrepende-te», «absolve-te», «confessa». A funcionária abre a aporta e os explicadores patinam para a saída e desaparecem nas escadas estando à sua espera no fundo das mesmas dois homens com um lençol.
O juiz avança agora por entre as carpideiras que lamentam a sorte do arguido. Não se comove apesar de por dentro estar lavado (antes do julgamento ingere sempre um cálice de lixívia).
Noite. Já se vê mal e o juiz puxa a orelha ao homem e apaga a luz. As empregadas de limpeza saem debaixo do chão onde hibernam durante o dia e esfregam com o cabelo o soalho. O juiz dirige-se para o seu veículo semi-motorizado de duas rodas. Arranca enquanto o porteiro roda a manivela. As portas fecham-se. De ímpar em par.

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