23 dezembro 2005

Conto de Natal-I



O ministro tinha morrido. Disso não podia haver dúvidas. O conservador registou o óbito e até ele, o primeiro ministro Scrootes assinou por baixo.
A porta do gabinete de Scrootes estava aberta podendo sempre ter um olho alerta no seu assessor que copiava despachos num canto afastado do radiador.
Feliz Natal tio! E que Deus te acompanhe! Gritou a voz alegre. Era o sobrinho de Scrootes.
Bah, tolices, rosnou Scrootes. O Natal só traz chatices e trabalho. É tempo de pagar contas, fazer balanços e isto quando estamos um ano mais velhos e nem um cêntimo mais ricos. Se pudesse, todos os que desejam Feliz Natal, punha-os a ferver nos seus queridos pudins e enterrava-os com um pau santo no coração.
Tio!
Deixa-me em paz.
Mas o Natal só traz coisas boas. O menino nasceu, as pessoas pelo menos uma vez no ano tornam-se boas, existe alegria e fraternidade no ar. Para mim, o Natal é algo de muito bom,
O assessor bate palmas.
Tu está quietinho senão vais para o olho da rua – gritou Scrootes -. Saíste-me um grande orador. Deves queres um lugar no Parlamento não é?
Não. Olhe, tio, já sabe, contamos, eu e a minha mulher, consigo para jantar lá em casa esta noite.
O sobrinho de Scrootes vai-se embora e o assessor aproveita para se levantar.
Acho que está na hora de ir para casa.
Sim, vai, aproveita que enquanto não trabalhas eu estou a pagar-te. Mas quero-te aqui amanhã bem cedinho. Temos muitos despachos para publicar.
O assessor desaparece na rua deserta correndo em direcção a casa. Nessa noite, Scrootes jantou sozinho no restaurante habitual. Depois, foi para casa e começou a ler os livros sobre a reforma dos vencimentos dos juízes. Há-de haver maneira de trabalharem mais recebendo menos e isso não ser inconstitucional.
E sem que nada o avisasse, aí estava ele, o ministro a olhar para ele. Não era uma figura assustadora ou aterradora. Era simplesmente ele, o ministro a olhar como costumava fazer, através dos mesmos óculos agora fantasmagóricos. Entrou e dizendo «Pooh» fechou a porta com grande estrondo e subiu pelas escadas. Scrootes seguiu-o não se importando com a escuridão da casa (escuro é barato). Correu todos os cantos e mobílias e nada viu. Voltou para a cama e de repente aí estava ele de novo.
Que queres de mim?
Ouve bem, estou aqui para te avisar que vais ter uma hipótese de escapar ao meu destino, em vida ou morte. Em vida nunca tive o meu ministério e na morte sou infeliz.
Sempre foste um bom amigo. Obrigadinho.
Vais receber a visita de três espíritos!
É essa a chance que me dás? Não quero, obrigado.
Amanhã à noite, quando o relógio bater a uma, o primeiro Espírito aparece. Na noite a seguir, à mesma hora, o segundo e na noite seguinte o terceiro quando a última badalada das doze se sentir. Pode ser que percebas o que se passou entre nós.
O espírito desaparece pela janela. Scrootes corre para a fechar mas está duplamente fechada. AH!, parvoíces. Espíritos são como a oposição, não existem. E dito isto, deita-se na cama ainda vestido (impecavelmente diga-se) e adormece de imediato.
Quando Scroote acordou, estava tão escuro que olhando da cama mal distinguia a janela da parede até que de repente o relógio da igreja, tristemente, melancolicamente, tocou a Uma Hora.

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