28 novembro 2005

Estocada final-II.



25/11/05.
Dia em que encerra o Congresso dos Juízes no Algarve e em que sai notícia sobre a não comunicação de 30% dos juízes que fizeram greve à entidade competente (notícia que o C S. M. ou as respectivas Relações ou a ASJP, se disso fosse caso, têm a obrigação de desmentir). E se isto for verdade, a palavra é VERGONHA!. Olhos no chão para quem não trabalha e recebe. Olhar para o lado para quem não trabalha e recebe como quem trabalhou.
Pode ser que seja mentira a notícia mas temo que não seja pelo menos totalmente falsa (quem leu o blogue Verbo Jurídico em que primeiro se disse que não havia obrigação de comunicar, depois que era melhor comunicar, e leu o que a ASJP escreveu e mandou para os tribunais sobre o assunto e quem sabe o que colegas dizem sobre o assunto e o que Presidentes de Tribunais Superiores também informalmente referem e ainda o que alguns presidentes de tribunais - não aquele onde trabalho que é o maior -, defendiam – NÃO COMUNICO –pode receá-lo).
Adiante. O que os juízes de Círculo de Santa Maria da Feira defendem já perdeu actualidade em termos de comentários. O mundo bloguista parece o mundo tecnológico (não o do Governo, bem emperrado) em que o actual hoje vira obsoleto amanhã. Assim, nesta minha estocada final, pouco direi sobre esse projecto. Direi no entanto que a destrinça entre matéria de facto e de direito poder levar à recusa da petição ou da contestação é de um formalismo exagerado que nos tempos que correm não se pode defender, com muito respeito pela dezena de anos de grande competência do Dr. Joel. Hoje em dia, se tal ideia fosse adiante, quase todas as peças processuais seriam recusadas atenta a enorme dificuldade de os Srs. Advogados, na sua esmagadora maioria (e quando assim não é, nota-se logo, sinal de que são excepções), confundem direito com factos e misturam tudo numa batedeira destruidora da boa compreensão da peça que dificulta a elaboração do saneador. Há que ensinar melhor na Faculdade, na Ordem dos Advogados (que não podem ser sessões de tortura e gozo da ignorância dos licenciados como já ouvi que por vezes sucede) para evitar este mal. Mas a solução não pode ser eliminar a existência essas peças sob pena de por razões formalista, no século XXI, se perderem direitos. Só em casos extremos, como acontece quando não se distingue entre matéria de impugnação e de excepção é que deve haver sanção (e nestes caso defendo que uma das sanções possíveis é considerar a matéria de excepção impugnada mesmo que o Autor nada tenha dito pois pode nem sequer se ter apercebido da mesma).
No mais, em processo civil, com excepção do aumento do valor das alçadas tout court com que não concordo, são boas ideias.
Em processo penal, quiçá para se afirmar que se tem de obedecer ao Tribunal Constitucional, afirma-se que se deve comunicar ao arguido com precisão os factos que lhe são imputados. C’os diabos, toda a gente sabe que esta questão só surgiu por que um pseudo poderoso foi preso preventivamente. Até lá, alguém tinha ouvido falar disto? E haveria assim tantos juízes a nada dizerem, de forma kafkiana, ao arguido por que estavam ali detidos? Deixem-se de rodrigos (homenagem ao Congresso): tem que se cumprir a lei que já diz que se deve comunicar ao arguido os factos que geram a imputação e na conversa, use-se o bom senso (o arguido terá sempre oportunidade de se defender do que lhe dizem mesmo sem saber os nomes de quem o acusa; se não fez, se estava noutro local, alguma prova há-de ter; e se não tem, pode pedir diligências de prova no inquérito para afastar os indícios. E isto sempre na suposição que nenhum juiz decreta a prisão preventiva sem a existência de indícios fortes para tal).
No mais, transcritos ou não os depoimentos, com maior ou menor oportunidade processual, as medidas são basicamente as que vêm sendo defendidas por quase todos, eu incluído, ainda que nos quentes meses de Agosto e Setembro.
Agora a ponta da estocada. Acabei de ouvir o Presidente da ASJP (13.06 horas) a tentar justificar a não comunicação das faltas dos magistrados grevistas. Confuso, falou em entidades processadoras de vencimento com atraso mas não é isso que está em causa. Pode ser que melhor documentado fale com mais sapiência,
E por falar em sapiência, então o Presidente da República agora está do nosso lado?! Será por que está a acabar o mandato e vai voltar a receber SÓ (ironia) os seus rendimentos da sociedade de advogados? Já terá sentido algum problema? Ou quando vai a casa de terceiros muda de pele? Falso, é uma falsidade atroz antes dizer que todos sem excepção têm que colaborar com o esforço de Portugal para ser melhor e agora dizer que concorda com os juízes.
Mas há alguns ventos de mudança; não, não são aqueles da horrível música dos Scorpions. São aqueles ventos que começando numa ligeira brisa acabam por derrubar a roupa que seca no estendal se antes não for tirada da corda. Já se mostram tribunais sem condições de trabalho, já se refere que os juízes têm de ser bem tratados, o espectro da república dos juízes paira sobre os políticos, há quem por uma vez diz que se tem razão. É preciso calma. Pode ser que no futuro se conclua que a retirada arbitrária das férias só vai trazer prejuízos (como se vão organizar os turnos é algo que vai ser curioso seguir nomeadamente nas discussões entre colegas).
26/11/05.
O Congresso acabou com um discurso poderoso do presidente da ASJP. Gostei da encomenda de manchetes. Embrulhem e habituem-se. Os ventos de mudança também sopram do lado da associação. Já não há medo em falar e em se ser apelidado de bruto ou de ser de pântano. Atacaram os juízes sem piedade; responda-se na mesma moeda. O silêncio aplicado ao Ministro foi suficientemente sonoro. Claro, o homem já deve ter na manga outras boas medidas para os juízes mas estes não podem ser pêra doce. E parece-me que este discurso e a atitude dos juízes no Congresso deu melhores resultados que a greve mas admito que possa ter sido uma alavanca para se olhar para os juízes de outra forma.
E agora? Sempre presente que os juízes não podem defender medidas que só visem tirar-lhe o trabalho, sejam eles de círculo ou de comarca. Há que reconhecer, custe o que custar, que há muita coisa mal. Exemplos: por que motivo se recebe subsídio de renda se não se vive na comarca, se vive em casa própria? Há que procurar integrar esse dinheiro no salário que já é para evitar mais ataques. É preciso estar muito atento á prometida organização judiciária e ver para além dos números. É preciso que os juízes deixem os lugares do poder. E a formação de juízes tem que ser melhor. É aqui que tudo começa. Foi por aí que eu comecei no Verão. Sem uma boa base não há fiel que não balance. E por isso sinto que os blogues de juízes vão começar a ter de, pelo menos, divergir nos seus assuntos sob pena de se tornarem monótonos. Há quem o faça melhor que eu e por isso força rapazes. Por isso vou começar a dedicar-me mais a escrever umas histórias (Belles e afins) e muito ocasionalmente, quando a cotovia cantar e a Julieta estiver à espera, subo a varanda e discurso um pouco.
Gostaria de deixar uns abraços: a Paço Bandeira que diz serem os seus actores de eleição Meryl Streep e Carlos Cruz (revista Flash ou Lux); ao excêntrico, que revela um enorme fair-play (power of encaixe) e a quem agradeço as simpáticas palavras. Ao expresso que se cita a si próprio como tendo sido referido numa missa (sobre transformação de pêras em compotas). Ao filme «O Fiel Jardineiro» e a todos os que atacam a contida interpretação de Ralph Fiennes (é sempre melhor ver Vítor Norte com cara de mau).
Em próximo post: Belle.

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