18 novembro 2005

Estocada final-I



Não sei se será uma das últimas vezes que escreverei sobre o mundo das leis mas um texto do excêntrico (não a parte de mijar de pé) mas sobre o ataque do touro antes da estocada final (coup de grace) inspirou-me a desejar escrever sobre algo final. E como, finalmente, se começam a dar, por escrito, sugestões sobre como se pode melhorar isto, talvez me dedique só às Belles, Tonys e Paulo (que não deve ter deixado saudades mas que como gostei do que escrevi, voltará, apesar de ter morrido – this blog is moicano´s land!).
Li as ideias do Dr. Joel. Ainda me lembro do tempo do tribunal de círculo de Santa Maria da Feira, sem Espinho. E posso garantir que tinha pouco trabalho, mesmo muito pouco enquanto os juízes, por exemplo dos cíveis, trabalhavam até ao limite. Mas os tempos mudam e porventura, há que admitir que ficam com mais trabalho se se criarem agora tribunais de círculo. Mas não é por aí. Desde logo o poder político ignora tais questões. È que extinguiram o tribunal de círculo de Santa Maria da Feira que funcionava muito bem e criaram os juízes de círculo. Resultado: lá vieram processos para a comarca fazer os saneadores. Não sei se em Santa Maria da Feira eram muitos ou poucos mas eles existiam. Resultado: a comarca passou a ter de tramitar todos os processos novos que antes não tramitava além dos antigos que havia que dar andamento e em que o Sr. Inspector, avidamente, ia logo averiguar se tinham sido despachados rapidamente. E outros resultados houveram: a comarca passou a ter muito mais trabalho, só aliviado quando se eliminou quase por completo a possibilidade de julgamentos colectivos em processo civil. E aqui o legislador, em vez de extinguir claramente tal situação, preferiu redigir uma norma algo escondida em que exigia o requerimento da intervenção do tribunal colectivo pelos advogados (e nos corredores os juízes comentavam que como os advogados não sabiam que assim era, não havia colectivos).
Mas, voltando ao texto do Sr. Dr. Joel. Podendo dar-se como certo que irão ter mais algum trabalho, pergunto: isso é motivo para abrirem um manifesto opondo-se à criação de Varas? Na sua perspectiva e muito meritória sim e percebe-se: se não formos nós a pensarmos nos nossos interesses, está visto que mais ninguém o faz. MAS, acima disso está a justiça. E aqui uso uma resposta do Sr. Dr. Juiz Vítor Sequinho que no seu monte me respondeu que não há juízes de comarca e de círculo mas sim juízes a pugnarem por melhor justiça. Hélas que as medidas que ele e o os juízes de círculo de Santa Maria da Feira apresentaram desde logo fossem a de que tivessem menos julgamentos (O Meu Monte) e que para pior já basta assim (Verbo Jurídico). Sei que cada um fala do que sabe e como sabe e quem não pode e não sabe não fala. Mas convenhamos, será pela criação de Varas que tudo piorará? Penso que não. In Illo Tempore, quando estava a acabar de montar a minha tenda, escrevi sobre a especialização e defendia-a. Continuo a defendê-la. A criação de Varas especializadas (crime, cível), com tribunais especializados (família, menores, estes separados daqueles se possível e a pendência o justificar, instrução, tribunais de execução e de comércio bem como julgados de paz, estes de cariz obrigatório o que, para mim, ao contrário da opinião do Dr. Joel, ainda não o têm, sendo certo que há tribunais superiores que o citam nesse sentido) instala uma rede de tribunais que permitirá desde logo e é isso que interessa acima de tudo que haja uma melhor justiça. Estou só a falar em termos de haver ou não Varas já que isto não é a vara de condão que tudo resolve. Mas a sua criação, especializada, com mais três juízes criaria um corpo de juízes especializados e que penso que não iriam ficar afogados com processos (mas posso estar muito errado mas concedam-me a oportunidade de os outros também poderem estar). Agora não estarão afogados em processos pois segundo o que poso saber até há hipótese de um dos juízes acumular serviço parcialmente com um dos juízes de uma das comarcas que compõe o círculo de Santa Maria da Feira, só o podendo fazer quem tem tempo para tal. E compreende-se. O juiz de círculo só faz a nobre função de julgar, não se preocupando com a mixórdia que invade a comarca. É verdade. Agora o juiz de comarca ainda tem de se preocupar por que é que outros (solicitadores de execução) não dão andamento à execução ou por que não respondem aos pedidos de informação do tribunal, durante um ano ou mais. Mas, e volto fazê-lo (terceira vez, se bem me lembro), a comarca cada vez mais se preocupa com nobres funções de julgar que vão sendo retiradas aos juízes de círculo – julgamentos em execuções de valor superior à alçada da Relação, procedimentos cautelares acima desse valor, reclamações de créditos acima desse valor, havendo muitas contestadas e bem complicadas, julgamentos em acções de insolvência, e fazem religiosamente os seus turnos -. Nada me move contra os juízes de círculo nutrindo admiração por muitos com quem trabalho e trabalhei; mas isto não é pessoal, é objectivo. Existem diferenças que não consigo explicar, e não só entre juiz de comarca e de círculo mas entre este e o juiz de uma Vara (equiparado a juiz de círculo nas palavras do Sr. Juiz Vítor Sequinho): é que este, ao contrário daquele, tem procedimentos cautelares e faz turno. Como pode ser isto? Tem de ser alterado por forma que todos os juízes façam turno – há juízes e procuradores no Porto com mais de 20 anos de carreira e lá vão eles, aos Sábados (e antes aos Domingos também) fazer o seu turninho e um juiz de círculo nunca o terá de fazer. Acho injusto mas já sei que não devo ter poder de encaixe.
Problema sério é o das instalações mas sempre o será neste País miserável em que há pessoas que pensam que pagando pouco e exigindo muito se vai para a frente. Mas aí, não me compete dar soluções já que não sou ministro nem secretário de estado nem o quero ser. Aliás este é um problema que se me afigura bem grave: o de haver juízes que gostam e querem ser políticos. Confesso: quando vi o Dr. Fernando Negrão a dar beijinhos a crianças, pegando-lhes ao colo numa recente campanha eleitoral, fiquei triste. Aquele homem era infeliz a julgar, não era aquela a sua profissão; e também fiquei triste por que não é assim que vejo um juiz como já referi num «Ser juiz» que o excêntrico criticou e eu nada respondi. Foi e é mau. Juízes existem para julgar e se deixar de haver interferências entre um poder e outro, o poder político não tem por onde pegar a um juiz que nunca falou com um político num corredor do Parlamento, num bar de Lisboa ou num bom restaurante com vista para o Tejo. Assim, desculpem lá, mas há sempre alguém que diz sim, sempre alguém que cede aos seus rígidos deveres por que num dia facilitou num despacho ministerial ou passou informação ou deixou que lhe pusessem um cachecol dobrado no pescoço e vai abraçar amigos políticos.
Quanto às restantes propostas do Dr. Joel e colegas, efectivos, auxiliares ou da bolsa, whatever, no próximo post direi algo mas só em relação às alçadas. Lá está, subam-se as alçadas e mais uma vez o juiz da comarca cada vez tem mais processos. Concordo com mudança se for acompanhada de criação de Varas; de outro modo, o juiz da comarca passa a ter mais do que tinha além dos processos de juiz de círculo que depois os recebe para julgamento. Garanto: se essa subida de alçada não for acompanhada da criação de Varas, vai haver muitos juízes de círculo, se a orgânica dessas comarcas não for alterada, a visitarem o tribunal de comarca para almoçar. Mentira! Ignomínia! Invejoso! Não, é verdade. Com uma excepção que também já tratei no tempo dos mitos neste blogue: quando vêm processos volumosos, tudo se complica e atrasa mas aí defendi a criação de tribunais centrais especializados para esses crimes mais complexos em diversas regiões do País mas aqui I’m repeating myself.
Esta foi a última estocada parte I.
Belle voltará e o Paulo também.

1 Comments:

Blogger xavier ieri said...

"e também fiquei triste por que não é assim que vejo um juiz como já referi num «Ser juiz» que o excêntrico criticou [?????!!!] e eu nada respondi."
Say again, please...
Ó moicano, o excêntrico não é cowboy para perseguir índios.
O excêntrico está mais 'virado' para os ratos de esgoto. E esses, em regra, têm uma cadeira do poder debaixo do traseiro.
Já agora, a despropósito: vai sendo tempo de os próprios juízes se verem a si próprios como pessoas seculares (que vivem no século, no mundo, na vida). E não como seres ou entes superiores, dotados de uma ética e uma moral transcendente, que os transforma num qualquer ser vivente em redoma de vidro.
Mentira.
Os juízes devem ser os depositários dos melhores valores éticos, morais, culturais até, que a sociedade na qual se integram se reclama de possuir.
Mas não deixam de ser pessoas, mulheres e homens, com sentimentos e emoções próprios dos seres humanos.
Mas é na postura e na forma como debitam esses valores, quer profissional quer pessoalmente, que se joga o seu estatuto social.
Enfim, palavras óbvias...

novembro 19, 2005 2:04 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home


Web Counter by TrafficFile.com