21 outubro 2005

Ser juiz



Nos tempos em que correm, penso que uma pergunta que deve assolar muita cabeça é a seguinte: por que se quer ser juiz? E isto leva-me a uns momentos (mais que um post) de reflexão que pode ser que toque algum (ou alguma – a Belle não seria mau) magistrado.
Se se pensar quando éramos crianças e mesmo jovens, ansiando por ter um spectrum e rezando para que o jogo entrasse, quando se falava sobre as profissões que queríamos ter, se alguém tinha a ideia de querer ser justo, respondia que queria ser advogado (sim, eu sei, há aqueles cujas mães juram que as pancadinhas que sentiam na barriga já eram feitas pelo pequeno martelo do nascituro que assim começava a cumprir a sua função). A ideia de se ser advogado vinha principalmente de filmes por que, sim é verdade, quando eu era jovem, não se falava nas notícias de excesso de advogados ou juízes preguiçosos. E nesses filmes (Julgamento de Nuremberga, To Kill a Mockingbird – a sombra e o destino?, O veredicto, E Justiça para todos) quem brilhava era o advogado. Lembro-me mais tarde de um juiz na Balada de Hill Street, algo alucinado, sempre cheio de trabalho mas que basicamente ajudava a polícia ou ainda na série As teias da lei quando uma das advogadas principais era convidada para ser juíza e acabava por detestar. Muito recentemente a série A juíza trouxe algumas novidades mas depressa se diluiu em romances ou histórias muito laterais. Porquê então querer ser-se juiz?
Bem, acabada a faculdade, para muitos da minha geração, era o vazio. Não se conhecia ninguém na família que pudesse dar estágio e assegurar uma profissão com o mínimo de estabilidade. O C. E. J. proporcionava uma formação remunerada e a profissão de juiz também garantia segurança, remuneração atraente e algumas boas condições (os militares tinham razão ao usarem esta expressão) de trabalho – assistência médica, por exemplo -. A vertente económica sempre representou, para uma grande maioria, um dos incentivos em se querer ser juiz.
Também há os casos em que o pai ou mãe é juiz e quer-se seguir as pisadas da família.
Outros existirão que sem saberem muito ao que iam, acompanhavam colegas ou namoradas (os) e faziam os testes.
Mas tem de haver algo mais. E este algo mais surgirá (na minha opinião) muitas vezes já quando se estava no C. E. J.. A faculdade ao pé do C. E. J. nada mais parecia que uma qualquer escola básica do direito. As noções teóricas que se tinham não tinham atingido na mente do licenciado a relevância prática que tinham. E é no C. E. J., bastante árduo, trabalhoso e longo que o gosto (ou não) pela carreira de juiz se formava. O procurar resolver questões que à primeira vista não se vislumbrava qualquer luz; decidir quem tinha razão quando havia tantos argumentos contraditórios; aprender como chegar á pena que se reputava adequada. É muito engraçado a certa altura notar-se que se atingiu um certo patamar em que em vez de se evitar tocar na bola para a não perder, se olha de frente o guarda-redes para que este lha passe. Basicamente, um juiz, tem sempre a vontade de que a realidade seja mais justa. Quer que as pessoas se entendam e que mesmo na divergência sejam convencidas que uma parte tem razão. Pretende que os culpados sejam condenados não só para a comunidade sentir que a justiça funcione ou para que o condenado se readapte às regras de convivência ma também para punir. Não há pena sem punição e durante muito tempo era quase proibido dizer-se que as penas serviam para punir.
Mas um juiz é um Homem (havia quem usasse a expressão, um juiz é um juiz, um Homem é um Homem) e como tal imperfeito. Mas na sua profissão tem de ser perfeito em muitas situações: na imparcialidade, na segurança com que decide, no alhear-se das vozes que o rodeiam. Tem de ignorar as críticas torpes e fáceis, a maledicência, a inveja, o egoísmo de terceiros ou de colegas de profissão, o elogio fácil e interessado. Tem de ignorar a vaidade própria, ultrapassar a vaidade alheia e acima de tudo, saber que julga alguém igual a si. Só assim poderá ser um bom juiz. E errará? Sem dúvida. E nalguns casos poderá ficar conhecido pelos erros – povo que julgou Jesus, juiz grego que condenou Sócrates (o filósofo), o que absolveu O. J. Simpson -. Mas o erro judiciário sempre perseguirá a justiça e sempre existirá.
Pergunta-se: e hoje, vale a pena ser juiz? Tenho lido algumas ideias expostas por juízes, bastante críticas não da função de juiz mas do modo como o sistema político o trata. Disso falarei, genericamente, noutro post.

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