07 outubro 2005

Conto-fim do capítulo II


Quando o meu pai comprou o Suão, sabia que ia ser difícil tranformá-lo num momte digno desse nome. Os primeiros anos foram um teste à união da nossa família. Mas nunca deixamos de sonhar e acreditar. Graças a esse sonho, hohe, em vésperas de Natal, nova vida começa a brotar desta planície que nos rodeia. Tenho contado sempre convosco. Podem estar certos que nunca me esquecerei de vós.
Manuel Ramos flecte os joelhos e afaga o solo.
-Aqui em baixo repousa um companheiro a quem não soube respeitar a crina branca.
Na aldeia também Luísa espera por mim.
Levanta-se e caminha entre os trabalhadores.
-Não há um grão de terra neste monte que não faça parte do meu corpo. As raízes que me prendem são tão fortes como as desta azinheira. Lembras-te Catarino? Lembras-te das histórias que o meu pai contava ao pôr-de-sol? Com eleas percorremos muitos países e vidas diferentes. Por causa delas começei a ler livros sem parar.
Pega agora num punhado de terra e deixa-a cair entre os dedos.
Mas este é o maior livro do mundo. E hoje somos nós que vamos escrever um novo capítulo.
Noite.
A aldeia está agitada. Ameaça chover de novo.
-Também vai à tasca do compadre Aníbal?
Claro, minha filha. Nestes momentos Deus tem de ter uma voz que se ouça.
Quem assim fala é o padre Garção. O pastor raramente sai à noite pois teme a escuridão do mal. No entanto, a noite fica-lhe bem. Os olhos, por detrás dos pequenos óculos redondos ganham brilho e força. Já no seminário, enquanto os colegas procuravam alívios terrenos, escreveia relatos da vida das pessoas da sua terra. Foi para estar perto deles que seguiu o sacerdócio.
Aproxima-se de um pequeno ajuntamento.
Deixem passar o senhor padre.
A ordem de Manuel Ramos abriu caminho ao corpo franzino do homem trajado de noite.
O fumo invada a minúscula sala. Num balcão, alguns homens conversam sobre quem será o vencedor. Num extremo, aparentemente alheios à gitação, dois homens bebem vinho.
Uma mesa é o centro. Manuel ramos e Sebastião, sentados lado a lado, esperam que a cadeira seja ocupada. Silêncio. António Valente, acompanhado pelo filho, entre de modo trinfal, com largo riso na face, mirando com olhos gozadores os presentes.
Desculpem o atraso senhores. Sabem, como é, as crianças adoram os meus gansos. Até o meu filho, com este tamanho, ainda gosta, não é filho?
Com os dedos indicador e médio da mão direita ligeiramente dobrados, aperta a bochecha do filho enquanto solta uns estalidos com a língua. Risadas. Manuel Ramos empurra com um pé a cadeira vaga da mesa e fita António Valente com olhar marmóreo. O recém-chegado senta-se não sem antes dizer ao filho para se sentar ao seu lado. Manuel Ramos fala primeiro.
A vida tem coisas que não têm explicação (sentado ao pé de ti).
O padre atira uma tosse reparadora.
Desculpe padre. Talvez Deus saiba que nem tudo está errado (amar-te-ei sempre, Luísa).
Agarra no talego de pão que estva a seus pés e abre-o sobre a mesa. A terra cobre o tampo de madeira enquanto António Valente e o filho recuam.
Esta terra está embebida de água. Mas todos sabemos que depois da enxurrada o sol queimá-la-á pela raiz. Por isso construi aquele pequeno açude que nos permite acrediatr em pão na mesa. E desde esse dia, por causa de uns míseros litros de água que tenho de aturar os teus golpes sujos.
Não sei do que estás a falar. Isso é mentira.
Não estamos num tribunal, não precisas de te defender. Quero acabar com este problema. Por isso proponho: deixar de entrar no Suão e podes ir buscar a água que tu quiseres. Mas sem mortes de cadelas ou hortas destruídas.
A água da chuva é de todos nós. Não tens o direito de ficarem com ela só para ti. Só Deus pode escolher um sítio onde haja maná, não é padre?
O sacerdote preparava-se para intervir mas Manuel Ramos impede-o.
Não foram os braços da igreja que abriram a terra. Não foram as costas de Deus que ficaram doridas. Neste assunto, a única palavra que vale é a minha. Como ficamos?
António Valente levanta-se e sem pronunciar uma palavra sai acompanhado pelo filho.
A tasca desertifica-se.Manuel Ramos permanecem sentados olhando os copos em sua frente e depois saem para o frio de Dezembro.
Vai para casa, Sebastião. Amanhã não quero ninguém no monte.
Até amanhã patrão.
Manuel Ramos fica pregado ao chão. As filhas já devem estar preocupadas. Preparava-se ara abrir a porta de entrada quando dois vultos lhe surgem pelas costas.
Manuel Ramos? Precisavamos falar consigo.
A rua está deserta e só o vapor que sai da boca do estranho lhe ilumina a face.
Sim, o que é?
Queremos trabalhar e sabemos que precisa ajuda no monte.
Não sei, nesta altura o trablaho é pouco.
A nossa vontade é muita senhor Ramos. Não se arrependerá.
Raquel assoma à janela.
Não vem para dentro pai? Está tanto frio.
Já vou, filha.
Virando-se para os dois diz:
Muito bem. Apareçam amanhã ao nascer do sol que eu levo-os ao monte. Têm onde dormir?
Sim, não se preocupe.
Mnauel Ramos entra em casa. O coração bate apressadamente. Agora já não pode recuar.

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