29 setembro 2005

Conto-II


A chuva e o frio batem contra os vidros da janela do quarto. Raquel afasta as cortinas, abre as portadas penetrando tímidos raios de sol que fazem brilhar as gotas de água. Teresa, a irmã, dorme profundamente. Ainda pensa em acordá-la mas abandona rapidamente a ideia. Deixá-la aproveitar os poucos dias de férias de Natal. Dirige-se a um dos cantos do quarto onde estão uma bacia um jarro com água. Com movimentos ágeis prende os longos cabelos castanhos atrás da nuca. Despe a camisa e despeja a água arrefecida pela noite dentro da bacia. Junta as mãos em concha e leva-as ao rosto. Um longo arrepio percorre-lhe o corpo. Dezeoito anos vivem docemente. No Inverno uma camisola grossa de lã esconde disi seios que um crente não hesitaria em afirmar serem obra divina. Os mesmos seios pelos quais escorrem gotas de água em direcção ao soalho enquanto se limpa a uma toalha.
Já vestida e com o cabelo atado num perfeito rabo de cavalo, abre a porta do quarto e desce o longo lanço de degraus que a encaminham até à cozinha.Daí a pouco o pai levanta-se e é preciso ter o pequeno almoço preparado. As chávenas estão na mesa desde a noite passada. Quando Raquel está a cortar o pão surge Teresa ainda com farrapos de noite a prenderem-lhe os olhos.
Por que não me acordaste? Queres fazer tudo sozinha?
Raquel não responde. Tem de esperar algum tempo até o bom humor da irmã regressar. Nessa altura Teresa volta a ser a rapariga alegre de sempre. Agora está ao pé da lareira a afastar as cinzas da noite passada. Dentro em pouco a cozinha será o local mais quente da casa. Depois das não correrem o risco de se desvanecerem, chega o momento de fazer o café numa cafeteira azul ainda dos tempos do enxoval da mãe.
Uma cama. Um guarda-fatos. Um crucifixo. Manuel Bernardo Ramos de joelhos aos pés da cama. Decerto ora pelas filhas. E sempre pela mulher. Levanta-se e caminha em direcção á cozinha. A chiadeira das botas avisa a sua chegada. Dá um beijo em cada filha e em seguida o ritual obrigatório de todas as manhãs: espreita pela janela para tomar o pulso ao tempo. Um levantar de sobrolho preocupa Raquel.
Os três sentam-se à mesa. Batem à porta.

Web Counter by TrafficFile.com