on the rocks-II,tremoços e conto
Em relação à existência de tribunais centrais penso que é essencial a sua criação. Casos concretos mas em abstracto: um DCIAP no decurso de uma investigação que se revelou longa e árdua - muitos arguidos, ramificação de interesses e agentes -acaba por deduzir acusação pela prática de inúmeros crimes de índole patrimonial contra cinquenta arguidos. Suponhamos ainda que não foi requerida instrução (quase impossível pois os arguidos não presos sempre ganham algum tempo e pode até suceder que haja uma não pronúncia nestes casos, no que penso, situação de excepção) e que o processo é remetido para uma comarca de interior por aí ter acontecido a primeira notícia do crime (um empresa que apresenta queixa por cheque sem provisão, por exemplo). Nessa comarca há dois ou três juízos , com um juiz cada, dois magistrados do Mº. Pº. e cinco funcionários cada. A agenda de ambos os juízos respeita a dilação de três meses na marcação de julgamento. Ultrapassada a fase de choque ao receber-se tal processo (inúmeros volumes, necessidade de introdução de dados em computador, estudo do mesmo e averiguação de que é aquele o tribunal competente) há que designar dia para julgamento. Este cabe aos juízes de círculo cuja agenda não consegue respeitar os três meses de dilação por ter bastantes processo nessa fase e mais complexos. Resultado: são marcadas diversas sessões que se vão repetindo ao longo de alguns meses (um ano ou mais duram alguns mega-processos). Os julgamentos realizam-se em diversos dias da semana por forma a que acabe o mais rápido possível. Ora, os julgamentos do juiz da comarca foram adiados por nesses dias ter departicipar como adjunto na realização do julgamento. Os julgamentos dos dois juízes de círculo que se realizavam nesses dias também tiveram de ser adiados. Entretanto, quer estes juízes quer o de comarca continuam a ter o mesmo nº de processos para tramitar. Pergunta-se: que vantagem houve em que o julgamento se realizasse na comarca onde houve a 1ª notícia do crime ou mesmo onde ocorreu o crime mais grave? Para mim, nenhuma. Acontece tanto que a notícia do crime se trata de um crime menor na complexidade de crimes em julgamento que só lateralmente é falada (por exemplo, crime de auxílio à emigração ilegal com factos ocorridos no Sul por parte dos angariadores mas em que há emigrantes clandestinos descobertos numa comarca do interior transmontano). Assim, com um tribunal central (pelo menos em número de três, um por cada distrito judicial), com seis juízes no(s) distrito(s) onde houvesse maior pendência, determinaria a competência para a realização de julgamentos mais complexos quer pelo número de arguidos, quer pelas matérias envolvidas. Penso que nehuma desvantagem isso trará aos purismos do direito (conceito de juiz natural) e traz vantagens: melhor especialização, melhor vontade em fazer os julgamentos pois foi para isso que concorreram para aquele lugar, maior rapidez pois terão menos julgamentos e inteira dedicação a esse processos e não outros processos de índole civil por exemplo e melhor preparação pois com maior dedicação e contínua especialização a regra é a melhoria das capacidas nesse tipo de funções. E o juiz de comarca e o de círculo continuam a ter a responsabilidade de bem orientar a sua agenda sem o imprevisto escolho de um mega-julgamento.
Mais uma vez digo: estas são ideias que se calhar são irrealistas mas a minha ideia é de como no terreno se podem melhorar os serviços da justiça e não como resolver em 2005 esses problemas. Mas há algumas questões que até poderiam ser já alteradas e que deixo a título de tremoços: por que fazem os juízes das varas turno e os juízes de círculo não? Porque não fazem os juízes de círculo providências cautelares? Por que fazem os juízes da comarca os julgamentos de oposição à execução quendo o juiz da vara tramita a execução? São algumas incongruências que não entendo e que sendo alteradas serviriam para dar algum sentido de justiça a estas coisas. Um juiz de círculo não tem qualquer óbice a fazer turno nem formal nem materialmente; o mesmo juiz de círculo realizava a providência cautelar que lhe era distribuída (de valor superior à alçada da Relação) e era depois apensada ao processo que viesse a ser instaurado; se já existia, procedia-se à distribuição da providência cautelar por entre os juizes de círculo. E em relação às execuções, só no mundo imperfeito é que um juiz de uma Vara tem competência para tramitar uma execução de € 10.000.000,00 e remete o julgamento da oposição nesse processo ao juiz da comarca. Vantagens: justiça entre magistrados, coerência do sistema, menos dias de turno para todos os juízes.
E agora o conto (behind the door):
Sertório agarra o ferrolho com as duas mãos e solta o trinco. Uma nesga de luz rasga a escuridão da casa cega há décadas. Sertório tapa os olhos e encosta-se à ombreira. Uma ratazana aventura-se pela varanda. O ancião recua mas a visão da cadeira empurra-o para o sol. O vento começa a soprar com mais intensidade e a folha esvoaça pelo ar rarefeito.
Do cimo das escadas olha em redor. Degrau após degrau sente as passadas nos ossos entorpecidos. A terra está aberta em chagas e uma nuvem de poeira cobre o quintal.
Mais uma porta. A chave, rendilhada de teias de aranha, aguarda presa à fechadura.Um corpo trémulo encaminha-se para debaixo da arcada. Funde-se com um pedaço de metal ferrugento. Nem um movimento. Inúmeras gotas de suor empapam-lhe os esparsos cabelos brancos. Desesperado pontapeia a madeira carunchosa. Anos de dor gritam quanto a porta se estatela e se reduz a pó. Sertório cambaleia para trás e é atacado por uma tosse cavernosa. Sim, o líquido vermelho nos lábos recorda-lhe que tem pouco tempo. Penetra no interior da cave. Onde estão? Ah, encostadas à parede são hoje uma sua cópia. Agarra no ancinho mas o contacto com a pele enrugada desencadeia a erosão final. Vagas de destroços flutuam no chão e um enorme pedaço de ferro afunda-se. A enxada. Olhos escancardos até ao infinito das órbitas. Sertório ergue-a e dois seres vivos pulsam ao mesmo ritmo. Sonoras gargalhadas ecoam por toda a aldeia acordando Albertina do sono leve da sesta.
As veias latejam enquanto desfere pancadas na terra dura. Só Sertório vê, por entre o emaranhado de ramos secos e ervas daninhas, o esqueleto da sua horta. Finalmente, atira a enxada para o chão agora livre de algemas. Grossos pingos de água começam a cair. Sertório regressa a casa. O caminho é agora um labirinto. O cheiro do sangue que lhe cobre a boca deixa-o mal disposto. O vento insufla-lhe a camisa que se transforma numa enorme corcunda. As escadas não têm fim é a custo que Sertório as vence.
Uma bola salta junto à entrada.
Até à próxima!
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