20 setembro 2005

conto

Uma bola salta junto à entrada. Do fundo do corredor irrompe um cavalo puxando uma carroça. As patas elevam-se acima da cabeça de Sertório. Raquel e Nuno caem no fundo da ravina. Os vidros da janela da cozinha partem -se com a pancada provocada pela ventania que anuncia a tempestade. Sertório grita pela mulher e filho que se despedaçam por entre destroços de madeira e ferro. Os seus braços são curtos para os agarrar fechando os olhos quando ouve os gritos debaixo das rodas da carroça. Velhas e amargas memórias irompem no cérebro outro fossilizado.
Começa a trovejar. Um raio fulmina o coração de Sertório. Num esgar de dor agarra-se ao peito.
Albertina bate à porta da casa de Álvares.
Por amor de Deus vem! Sertório está a morrer.
A última porta. Recompõe-se da dor e sentindo-se ir abre-a de par em par. Deriva pela rua da aldeia que não o viu chegar numa noite fria de Dezembro. Um clarão desencadeia a combustão. O corpo de Sertório explode num mar de sangue e veias rasgadas em absoluta desordem. Imobilizado por uns instantes, cai e é amparado por Álvares.
Já não sente a dor. Já não sente a chuva. A mão quente de Álvares procura no peito o que não encontra. As lágrimas de Albertina caem-lhe na testa. Sorri.
Por que sorris meu velho? Não largues aminha mão. Ainda temos tanto para mudar meu amigo!
Sertório olha para Álvares. Sem palavras. Um espasmo atira a cabeça de Sertório para trás. Não desvia o olhar do amigo. A boca escancara-se rebentando os músculos da face.Um pequeno estertor. Sertório já não é.
Cruzes e anjos. Um monte de terra marca a presença de Sertório.Entardece suavemente por entre farrapos vermelhos desenhados no céu.
Uma fotografia. Uma pedra. Fusão. O rosto do antigo combatente esculpido num rectângulo de granito.
A aldeia reune-se junto de Álvares que não os vê. Só Sertório, sentado em cima da laje os vislumbra. É preciso dar um sinal. Os corpos cumprimentam Sertório que recuperou a juventude. É bom estar de volta. O sinal. Álvares, alheio às boas-vindas fita em silêncio o rosto do amigo. A folha pousa em cima da campa. Sertório repara nela e agarra-a. Coloca-a em frente da cara de Álvares que não acredita no que vê:uma folha ressequida flutua diante do seu rosto. A medo, toca-lhe.
De onde vieram estas pessoas? Por que estão as campas abertas? Sertório!Estou louco, não posso...
Sou eu.Alguém espera por mim mas não podia partir sem me despedir.
Sertório e Álvares unem-se num abraço.
Adeus.
Sertório abandona o cemitério e começa a subir a encosta. O céu é a única fronteira. Álvares segura a folha e chora.
Este é o primeiro capítulo. É, talvez venham mais se entretanto o Sertório quiser contar a história.
Quanto a tribunais e processos, no próximo post mas só direi que em sentenças há que acabar com relatórios e elenco de factos provados. Se os advogados sabem o que fizeram no processo e jáse respondeu aos factos em dúvida, por que repeti-los? É que há Acórdãos a anular julgamentos, em civil ou criminal, por falta destes elementos.Quanto ao direito, até à próxima.

Web Counter by TrafficFile.com