03 dezembro 2005

Belle-VII


O sol invade o gabinete. Belle despacha o expediente. «Fique nos autos – artigo 315º, do C.P.P._». «Considera-se justificada a falta – artigo 117º, do C.P.P -.». «Por estar em tempo, ter legitimidade, encontrar-se devidamente patrocinado e estar isento do pagamento de taxa de justiça, admite-se a intervenção do requerente como assistente». As folhas vão-se sucedendo.
O telefone toca.
Belle, por favor, vem depressa.
Belle entra a correr no gabinete de Elsa.
É agora. Vens comigo?
Claro. Vamos. Para onde?
Enquanto Belle conduz nervosa até à Ordem, Elsa vai fazendo alguns esgares de dor e soprando. Param num semáforo e Belle olha-a por alguns segundos. Parece doer. Elsa olha em resposta.
Isto não é nada, Belle. O pior ainda aí está para vir. Não sei se aguento.
Entram na Ordem não sem que antes Belle tenha de explicar ao porteiro que se trata de uma emergência e sem que tenha ouvido que tem de tirar o carro o mais depressa possível do parque por que não há espaço para as ambulâncias.
Elsa está deitada na cama com uma túnica de cor amarelada. Belle não resiste.
Ouve, sei que não é assunto meu mas já aviaste o teu marido?
Elsa olha para a janela. Nós já não estamos juntos. Separámo-nos há três meses. Não te quis dizer nada por que… . Não acaba a frase sufocada por um soluço. A máquina anuncia uma nova contracção.
Mas, ainda assim, ele é o pai, de certeza que quer estar aqui. O Marco nunca…
Não sei onde está. Disse-me que se tinha perdido e que estava a encontrar o seu caminho e que só o podia fazer sozinho. Eu…
O sensor da máquina traça um rico alto no papel. Elsa cerra os dentes.
Belle sente-se perdida. A amiga está sozinha, prestes a dar à luz. Que faço eu aqui? Que osso fazer?
O médico entra no quarto.
Viva. Como estamos diz enquanto se senta ao pé de Elsa e levanta o lençol.
Podíamos estar melhor, Doutor. Isto dói como o caraças! Acha que é para já?
O médico sorri. Sempre quer fazer com epidural?
Sim! Sim!
O.K.. Eu telefono ao anestesista e em cinco minutos ele vem. Sabe, ele vive aqui perto.
Quero lá saber, o gajo que se apresse, pensa Elsa.
O médico levanta-se. Desculpe, não a cumprimentei. Sou Vítor. O médico.
Muito prazer. Belle. A amiga.
Doutor?
Sim?
Podia chegar aqui? Vítor aproxima-se de Elsa que lhe diz algo ao ouvido que a ouve enquanto olha para Belle. Abana com a cabeça e diz a Elsa que vai tratar disso.
Sala de partos. Elsa está de costas enquanto o anestesista, sempre a falar num tom baixo, explica pormenorizadamente o que está a fazer. Uma enfermeira olha atentamente para a injecção. Passa com uma pinça nas pernas. Sente?
Não.
A seu lado, sentada, Belle. Elsa pediu que ela pudesse assistir e excepcionalmente, foi permitido. Quase sem se aperceber, colocaram-lhe uma touca, uma bata e umas calças que parecem papel e umas coberturas para os pés. O coração bate-lhe apressadamente. Não conseguiu dizer não quando Elsa a agarrou por um braço e lhe pediu que assistisse ao parto; quando lhe disse que não tinha ninguém com ela e que não queria estar sozinha. E menos força teve para dizer não quando o médico, Vítor, lhe disse que pouco ia ver.
Foi rápido. A amiga não sentiu dores e médico não mentiu. Só viu o bebé a ser mostrado à mãe a ser levado para o lado onde lhe meteram uns tubos que não quis ver.
Estás bem?
Sim. Obrigado.
Belle está em casa. Atira-se para o sofá. Está extenuada. Foi com lágrimas que deixou a amiga no quarto. Acabou por aparecer um irmão dela que ficou a fazer alguma companhia. Liga a televisão.
O Sr. Director não quer responder às nossas perguntas? Confirma-se que se trata de um membro do Governo o principal suspeito da morte do Paulo?
O homem de fato nada diz. Atrás de si, o inspector João que se enfia no mesmo carro que o seu chefe.

Ora muito bem. Esta tenda está quase sempre vazia. Cá vou eu na minha deambulação à la Cin Ique. Outro dia estive com o António. Era jurado num julgamento. Pá, foi curte. O fulano explicou-me o que se tinha passado e o que as testemunhas tinham dito. E, eu, que até percebo de justiça, disse-lhe que a gaja estava condenada. Tinha que ser. O que iam dizer se fosse absolvida? Soube que o António fez uma reunião lá em casa com pessoas que conhecia e familiares para lhes pedir o que achavam que devia decidir. A malta não dorme. A tipa foi mesmo condenada.

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