16 dezembro 2005

9 mm



22.53 horas. O Renault encontra-se parado em frente ao condomínio fechado. O Verão começa a fraquejar e à noite sente-se um fresco que passa pela camisa. João fecha quase na totalidade o vidro. Abre a garrafa térmica e verte o café para o interior da chávena que serve de tampa. Ele tem de sair. Os miúdos deram-lhe a certeza que hoje, o homem conhecido por Rogério ia tentar sair do país. No fim da rua há um bar. Consegue ver um casal a discutir. Ela, de cabelo comprido, atira-lhe com um dedo em riste mesmo junto aos olhos enquanto o rapaz desvia a cara para o lado. É sempre assim. Daqui a pouco estão aos beijos. É sempre assim, Pelo menos com os outros. João não consegue evitar um lampejo de Ana, sua ex-mulher, a sair de casa a dizer que não aguentava mais noites com a cama vazia e telefonemas a interromper refeições. Não aguentava o medo de poder ficar sozinha. Adeus, João.
O casal segue abraçado pela rua e ao passarem pelo carro olham distraidamente. João levanta a chávena em jeito de brinde. A miúda sorri a agarra-se ao braço do namorado.
FUBAR, diziam naquele filme do Spielberg. Enrosca a chávena na garrafa térmica. Aquela juíza também não está melhor. Pensa nos olhos instantaneamente alagados quando lhe disseram que suspeitavam que o marido estava envolvido na rede de pedofilia. E recorda-se da dor da garganta nem visível quando lhe perguntaram por que o marido tinha saído de casa.
Corre Elsa. Corre que o teu filho vai contigo. Eu não com quem correr. Só esta merda de noites. É, e depois alguém os absolve, Os heróis. As verdadeiras vítimas.
É ele. João contacta a esquadra.
Chefe, acho que apanhamos o homem. É para o seguir?
Sim. Vá para onde ele for. Já temos os mandados.
A perseguição inicia-se. As longas avenidas da capital permitem que o Renault siga despercebido o Mercedes conduzido pelo homem a quem chama Rogério. Dirige-se para o aeroporto. Vira repentinamente numa saída da circular. Passam por prédios altos e descampados. O Mercedes pára junto a um café. João encosta o Renault junto a um muro, duzentos metros atrás. O homem sai do café a correr e entra de rompante no carro e arranca a toda velocidade. João faz soar o turbo e parte no seu encalço. Em velocidade acima da lei, percorrem muitas ruas e avenidas até que num cruzamento o Mercedes abalroa um outro carro que tinha atravessado ao virar da luz verde. O homem sai do Mercedes e começa a correr pela rua. João não consegue fazer passar o Renault pelo emaranhado de carros que de imediato se formou junto do choque e saindo a correr persegue aquele que foi marido de Elsa enquanto chama por reforços pelo comunicador. Os tacões ecoam pelas ruas quase desertas. O peito adiantado enquanto a cabeça está ligeiramente para trás. João corre atrás do homem que vira numa rua tendo de se agarrar á parede para não cair, perdendo uma fracção de segundo que João aproveita. Enquanto corre e vira nessa rua, saca a arma do coldre. Vira de novo noutra rua e sente uma pancada na cara. Cai violentamente de costas. Um esgar de dor distorce-lhe as feições. Quando consegue apoiar-se num braço tem um cano de uma 9mm apontada aos olhos.
Então, herói! Pensavas que me apanhavas, não era meu filho da puta, diz o homem enquanto o pontapeia no estômago. João com o impacto é atirado para trás e fica de joelhos a deitar sangue pela boca.
Reza, reza que vais enfrentar o teu juiz. Devias ter desistido nos primeiros sinais. Não percebes, meu burro de merda? Não percebeste que alguém nos estava a avisar? E por que insististe? Ah! Querias limpar a escumalha. Limpa isto, limpa. O homem mete-lhe o cano da arma na boca.
João respira fundo e lentamente afasta a boca do cano até ele sair enquanto o homem sorri.
Quem é?
O sorriso transforma-se em espanto e depois numa gargalhada.
O rapaz quer saber quem o trai! Claro, digo-te já. Um murro atira o corpo de João para o chão que fica deitado de costas. A dor é insuportável mas acho que não se partiu. O homem aproxima-se. Para despedida, só te digo que nunca se deve confiar no motorista.
Xavier murmura João.
O homem aponta o cano para a cabeça de João enquanto se ouvem as sirenes dos reforços.
E o teu filho? Não o queres ver ou talvez o queiras dar aos teus amigos?
O homem detém o braço. Olha para o lado sempre com a arma apontada à cabeça de João. Boa tentativa, Sr. Inspector. Mas isso faz parte da minha outra vida. Esse não sou eu. Ele que fique com a juizinha que está bem. Adeus.
A bala atravessa o crânio de João que morre de imediato. Os carros policiais estão cada vez mais perto. O homem corre por uma rua estreita e entra noutro carro onde está um homem com as mãos fortemente agarradas ao volante. O carro abandona o local poucos segundos antes dos azuis chegarem.

Belle está na cama a beber chocolate quente. Na televisão passa a história do agente da P. J. que morreu na perseguição a um suposto pedófilo ligado à morte do Paulo. A jornalista interroga o Director que nada diz enquanto entra no edifício.
Isto está bonito, pensa Belle. Se a Simone estivesse aqui desligava a televisão e punha a sua música preferida. Bolero. Interminável sedução.
O director de cara cerrada está junto do corpo de João. O médico mostra-lhe o gravador. Intacto.

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