03 janeiro 2006

Conto de Natal-IV


O Espírito moveu-se vagarosamente e aproximou-se de Scrootes. Ao chegar ao pé de si, Scrootes dobrou-se aos seus joelhos. O Espírito estava todo vestido de preto não se conseguindo ver nada do seu corpo com excepção de uma mão.
Eu sei que tu és o Espírito do Natal Futuro. Eu temo-te mais do que qualquer espectro mas como sei que me vais fazer bom, estou preparado. Não falas comigo?
Nenhuma resposta. A mão apontava para trás deles.
Vamos Espírito, vamos! A noite está a acabar.
O Espírito entrou na cidade e parou ao pé de dois deputados que conversavam no Parlamento. Como Scrootes viu que o Espírito apontava para eles, aproximou-se para ouvir o que diziam:
Não, disse o deputado gordo e a fumar charuto. Não sei muito só que se demitiu ontem à noite.
Porquê? Parecia sempre tão seguro de si!? Nunca pensei que se demitisse.
E o poder? Para quem o deixou?
Não sei, disse o deputado gordo. Para mim não foi. Adeusinho, tenho uma festa hoje à noite.
Scrootes estranhou que se desse tanta importância a uma conversa tão trivial. Talvez algum director de um Hospital se tivesse demitido ou de um Instituto. Mas devia haver algum segundo sentido por isso começou a pensar se não teria sido o Presidente a demitir-se. Procurou por si nos corredores do parlamento mas nada.
Abandonaram esta cena e deslocaram-se para outro local da cidade onde havia pessoas feias, montes de papéis amontoados em corredores e armários. Era o Tribunal de Contas. Três pessoas reuniam-se à volta de papéis enquanto falavam entre si.
Deixa-me ver. O que tens aí?
É a carta dele onde admite que errou!
Não posso crer! E a qualidade do papel, de rascunho! Até papel de qualidade, na hora de se vir embora, lhe negaram. Que tristeza! Depois de tanto ter e nada dar, tudo perdeu.
Scrootes assiste à cena com a mão na boca, horrorizado.
Já percebi! Isto é o que me pode acontecer se eu não mudar!Obrigado, Deus, por em indicares o caminho!
A cena mudou. Scrootes quase toca numa mesa mal iluminada. E, sentado a uma cadeira, sozinho, desprezado, um homem desconhecido.
Espírito, deixa-me ver alguma piedade com este pobre homem senão este gabinete nunca sairá da minha cabeça.
O espírito conduz Scrootes à casa do seu assessor. Sossego. Os miúdos pareciam estátuas numa esquina. O pai devia estar a chegar agora que o filho mais novo estava numa instituição por não poderem tomar conta dele. E aí está o pai. Assim que chega, as crianças abraçaram-no e juntaram as faces à do pai.
Fui lá hoje, sabes e prometi-lhe que voltava no Sábado. Nunca vi um lugar tão verde como aquele. Oh, o meu filho, que saudades. Mas há-de aparecer um novo político que me aceite e tudo melhorará.
Espírito, disse Scrootes. Diz-me, quem é que se demitiu?
O Espírito leva-o até um gabinete luxuoso com uma bandeira portuguesa ao lado da cadeira e aponta para a assinatura num papel. José Scrootes!
Fui eu que me demiti? Não, Espírito, ouve, já não sou o homem que era, vou ser u homem diferente que vai passar a ouvir e a dialogar a sério Vou honrar o espírito de Natal durante todo o ano! Vou ver em cada português uma oportunidade de melhorar Portugal e não um potencial inimigo a abater!
O Espírito encolheu e desapareceu na cama, a mesma cama onde Scrootes está agarrado a um lençol. Lá fora, o dia, sem neblina ou nevoeiro.
Que dia é hoje, miúdo?
Hoje? Dia de Natal!! Pega, vai comprar o maior peru que encontrares e diz para o trazerem para aqui. Vai, que eu dou-te 20 euros!
O rapaz disparou.
Vou mandá-lo ao meu assessor. Ele vai ficar contente!
Scrootes começou a andar pela rua e distribuía, de graça, sorrisos a todos por quem passava. Um feliz Natal para si! E para si também!
Scrootes foi á casa do assessor. Assim que este ia a sair, Scrootes disse: Olá! Isto são horas de ir trabalhar?
Desculpe, senhor, atrasei-me.
Pois é, pois é.
Não voltará a acontecer.
Olhe, eu só vou dizer isto uma vez: não tolero mais que coisas destas aconteçam. Não voltarás a atrasar-te e a ir trabalhar no dia de Natal. Ah, e vou aumentar-te o salário!
O assessor ficou sem palavras.
Feliz Natal meu amigo e colega!" A partir de agora vou pagar-te horas extraordinárias e permitir que tenhas um óptimo seguro de saúde para toda a tua família. A minha cabeça fervilha de ideias novas: os juízes vão poder escolher as suas férias, vão ser ouvidos em assuntos que lhes digam directamente respeito, vão ter salários de efectivos e não estagiários, vou gostar deles e eles vão gostar de mim! E os médicos, os enfermeiros, os professores, os polícias, todos, todos vão ver em mim um homem que só lhes quer bem! E eu vou fazer tudo para que todos tenham o melhor e fazer deste Portugal o melhor país do Mundo para viver. EU ADORO-VOS PORTUGUESES!
Scrootes nunca mais viu espíritos.
Foi o fim de um conto de Natal. Não sei que irei escrever de ora em diante. Talvez seja mais técnico (afinal, gosto de direito). Talvez outras histórias (estórias?). Talvez seja EU o novo rosto! Bah, tenho de tratar desta soberba.

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