24 maio 2006

Vida nova


Estou nua em frente ao espelho. Os olhos percorrem-me. Gosto dos meus lábios. Carnudos. Agradam-me os seios. Pequenos. Claros. Coloco as mãos na anca. Atiro a cabeça para trás sentindo o cabelo nas nádegas. É bom. Meu Deus, tão bom!
Enfio as calças de ganga. Ajusto a t-shirt branca. Simples. É como quero ser. É como finalmente posso ser.
Saio da porta do prédio. Ele está no carro à espera. Entro. Um beijo. Demorado. Não resisto e colo as minhas mãos na sua face. Olha para mim e arranca. É quase noite e só vejo o meu reflexo no vidro. Ele fala comigo e eu, desprevenida, respondo com a voz quase fugir-me ao controlo. O médico disse-me que essa era a parte mais difícil.
O jantar correu maravilhosamente. Acho que ele gosta de mim. Pegou-me nas mãos o tempo todo. Fizemos planos, brincamos, beijámo-nos.
Dançámos. A multidão balançava ritmadamente. Quase esgotada segredei-lhe ao ouvido que ia à casa-de-banho. Estou cansada e paro um pouco. Um homem empurra-me e caio. O mesmo homem levanta-me e fica a olhar para mim.
Tu? És tu? Mas, o que é isto?!
Larga-me, disse eu. Larga-me, estúpido.
O bruto não me largava. E ria e chamava os amigos que me fitavam. Ele chegou e agarrou o brutamontes.
Não, espera, tu… tu estás com ELA?
Ele agarrou-lhe os colarinhos.
Eh, meu. Calma. Podes ficar com o bichona.
O que disseste, meu merdas?
AH, não sabes? Não sabes!? Esta beleza é o Quim! Essa fofura com quem estás é um homem! Todos nós o conhecemos. Deves ter feito uma operação, meu. Não estás nada mal!
Ele largou a besta e vagarosamente olhou na minha direcção. Só consegui recuar, virar-me para a porta e fugir. Na esperança de que o amor tudo supera olhei para trás.
Fecho o diário. Coloco-o no chão. Com a lâmina corto as veias dos dois pulsos. Mergulho-os em água enquanto me estico na banheira. Não sinto nada. O vermelho da paixão tinge o meu corpo. Sonolento. Antes de fechar os olhos coloco as mãos no meio das pernas. Digam o que disserem, fui mulher.

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