29 janeiro 2006

A Festa-I


Frio. Solidão. Aqui estou. Só. Como companhia esta mesa e cadeiras futuristas. Impessoais. Ainda não chegaram. Será que não vêm? Espero.
O empregado chinês aproxima-se. Balbucia umas palavras enquanto abana a cabeça e sorri. Olho para ele e digo que estou à espera de uns amigos.
Com celteza.
Em redor só vejo a minha imagem reflectida nos espelhos. Velho. Calvo. E, mais uma vez, só.
Já pode pedil?
Não, não vê que ainda não chegaram os meus amigos?
O chinês curva-se mas pergunta:
Selá que vão chegale? Não tem cala de tele muitos amigos.
Mas este chinoca conhece-me de algum lado?
Posso sugelile o família felil?
Não, não pode. Estou à espera dos meus amigos. Ah, olhe, aí vem um. Olá Zorba, tudo bem?
Sim, ah, é aqui que vamos comer? Isto para restaurante japonês é fraco.
Chinês, não restaulante japonês.
Zorba olha para o homem amarelo e mostra os dentes numa gargalhada.
Este tipo é dos meus. Havemos de dançar juntos.
Não gosto de dançal com estranhos. Só com Mikashi.
Desculpem mas este é o meu jantar de despedida. Podia ter mais intervenção neste post?
Claro moicano, desculpa. Esta é a tua festa, vamos a ela, diz Zorba.
Festa muito estlanha. Talvez umas bolachinhas com leite e cama, não?
Bem, o que se come nesta tasca?
Família felil?
O moicano põe as mãos na cabeça calva e só lhe apetece dizer: o horror. E os outros, quando chegam?
Na porta, Simão. Sem bengala e com a filha Belle.

27 janeiro 2006

Oportunismo-cláusula E


Como o diplomata teve a simpatia de dizer que há que domar os cães de guerra, talvez acabe hoje as cláusulas.
O crime e o Mº. Pº. O Mº. Pº. e o crime. Como alguém diria, aquela diálise maravilhosa. Que faz o Mº. Pº.? Investiga. Ou melhor, é o titular do inquérito. Existe, e desde já o digo (who cares!) que há procuradores ou procuradores-adjuntos que investigam e que Deus os acompanhe na hercúlea tarefa que têm nos seus braços. Seja na big city seja no campos verdes do interior, no meio de papéis ou de lama, há quem seja bom e faça de um julgamento a confirmação de um bom trabalho. Mas, o que sucede em tantos outros casos? O queixoso faz a sua queixa (muitas vezes não passa de uma queixinha) e a polícia remete o expediente para inquérito. E vai daí, o Mº. Pº. remete o expediente para investigação á polícia que por sua vez lá põe um agente a ouvir o queixoso que diz reproduzir a queixa, ouvem algumas testemunhas e o arguido, seguindo umas cábulas que o Mº. Pº. previamente lhe enviou voilá, o inquérito está findo. Chega a tribunal mas hélas, o agente do Mº. Pº. acha que há perguntas que não foram feitas e então das três uma: remete o processo, já mais gordo, para a polícia para perguntar expressamente o que é indicado no despacho; ou faz com que o seu funcionário pergunte essas questões; ou então lá tem de fazer ele próprio as perguntas. Depois, tudo perguntado, se tiver a certeza que é para acusar, acusa; se tiver dúvidas mas o ofendido mantiver a queixa acusa. Só arquiva se alguém for tão veemente a acusar o queixoso de mentiroso que aí, ainda por dúvidas, arquiva.
Isto é um quadro algo caricatural mas penso que não está tão afastado da realidade quanto isso. E outras caricaturas se podem desenhar: o processo está na P. J. já há uns tempos? Malandros, que nunca mais o despacham e então vá de perguntar de 15 em dias pelo estado do processo. E, caramba, quando vem, vem mal! Os tipos não sabem investigar e agora o processo tem tantos volumes, vou perder meses a acusar! Talvez deixe isto para mais tarde!
A estatística. É, esta miúda é que manda. No fim do mês, qual dona de casa atarefada na limpeza mensal, lá anda o Mº. Pº. a acusar ou arquivar e a fazer algumas suspensões provisórias de processo e alguns 16-3 para ver quantas baixas deram. É tudo muito burocrático. Isto precisa de um safanão e que haja investigação a sério e não o encadear de formalidades. Mesmo quando um detido é conduzido a 1º interrogatório, surgem diligências probatórios cabeludas (reconhecimentos de um jovem arguido com dois anciãos a seu lado) que revela um amadorismo gritante da polícia e que o Mº. Pº podia tutelar mas não; não; o que importa é que perante o juiz o arguido comece a falar não do que fez mas quem são os outros.
Sinto uma enorme tristeza por isto tudo e tudo isto ajudou a que não gostasse de direito criminal. Não só isto mas também. Mudem isto. Há muito para dizer mas já chega de bater no Mº. Pº..
O moicano começa a definhar. Sente-se velho. Há outros (por isso é o primeiro). Ainda tem força para mais dois ou três posts mas (desculpem a presunção de falar do que vou fazer) depois, my friend, the end. E num dos posts, a minha homenagem ao excêntrico.

22 janeiro 2006

Oportunismo-cláusula D


Nestes tempos em que o Mº. Pº. se submeteu à inquirição parlamentar de uns senhores bem vestidos, melhor penteados (as senhoras estavam uma desgraça incluindo aquela que ainda o Papa não tinha fechado bem os olhos já estava a dizer mal dele) e que só queriam falar, falar e falar para mostrarem às câmaras que sabem do que falam, até me custa (também) falar de coisas que estão mal no Mº. Pº.. Que diabo! O poder judicial não está acima do povo e este é repersentado por deputados mas são estes os que detêm a verdade!? Tirem-me deste filme.
Adiante. Na jurisdição civil, como já deixei no ar, o trabalho não está vocacionado para agentes do Mº. Pº. na sua esmagadora maioria se não mesmo na totalidade. Qualquer advogado especializado e com contrato com o Estado e pode fazer e a menos custo certamente. E quando errar, como qualquer magistrado do Mº. Pº. pode errar, lá estão o juiz e os tribunais de recurso. Mas assinar equerimentos executivos (feitos pelo funcionário do Mº. Pº.), assinar requerimentos de reclamação de créditos (feitos pelo funcionário do Mº. Pº.), promover penhora de bens ou buscas na Segurança Social ou na base de dados, assegurar presença física em julgamentos de ausentes, algumas formas à partilha em raríssimos inventários, acções de dissolução de sociedades por não terem aumentado o capital (feitas pelo funcionário do Mº. Pº) não compensam uma ou outra acção em que se pede a dissolução de uma associação, a nulidade de uma clásula contratual geral ou acções em que se trate de acidentes de viação em que intervêm agentes do Estado ou em que estejam em causa bens do Estado. Deveria haver um afastamento do Mº. Pº. destas questões e centrá-los aí só quando verdadeiramente estivesse em causa o próprio funcionamento do Estado como por exemplo numa indemnização pedida ao Estado por omissões legislativas ou judiciais. Mas mesmo aqui um advogado pode defender o estado como defende um cidadão. No fim de contas , é tudo uma questão de preço. O Estado já contratou advogados para fazer contratos; por que não defender-nos? A verdade dura é que a maioria dos agentes do Mº. Pº. ou não queria ir para esta magistratura ou teve más notas. E, acreditem, os que são bons, são tão bons que saltam à vista, ultrapassando qualquer juiz mediano. Mas são excepções logo notadas. E, acima de tudo, um procurador -adjunto não pode chegar ao tribunal no fim da manhã, fazer as suas promoções e assinar o que os outros fizeram, ir embora antes de almoço e no fim do mês recebe o mesmo que o juiz que, copmo é notório, nos tribunais cíveis, está cheio de trabalho. Ou pelo menos na maioria pois tive oportuniadde de ver um blogue com nome de gramática portuguesa em que são dados bem elaborados provimentos que poderão ajudar a minorar esse trabalho mas que também levam tempo a fazer. Eu já falei sobre provimentos e por isso nada mais digo.
Não sou advogado por isso não estou a defender interesses dessa classe mas com tantos aí e com tanta falta de melhor investigação penso que se podia racionalizar melhor os meios desta justiça.
E, mesmo no crime (para terminar), é lindo ver o Mº. Pº. a receber um processo por crime de injúrias, remetê-lo à polícia ou ao funcionário para inquirir as testemunhas, recebê-lo, marcar dia para ouvir o arguido, notificar o assisetnte para deduzir acusação, abençoar a acusação e depois remetê-lo a julgamento. Se defendo que as injúrias e crimes de igual gravidae não podem ser tratados de igual forma a um processo mais complexo, também não se pode desperdiçar o serviço do Mº. Pº. nestes crimes em que se alega que a honra está acima de tudo havendo sempre um preço da mesma em licitação.
Por hoje é tudo. Um abraço a Manuel Serrão que não consegue esconder o ódio pelo S. L. B. e critica cinicamente a estratégia de contratações. Pois é pá, aprendemos com o teu mestre.

18 janeiro 2006

Oportunismo-cláusula C


Como devem ter reparado, a minha habitual característica néscia em termos informáticos levou a que houvessem algumas repetições no post anterior mas a ideia está lá. Sorry. Avançando e continuando no domínio dos menores. Para mim, o Mº. Pº. deve ter intervenção ao nível de menores em risco e nos tutelares educativo onde assume desde logo um papel preventivo (promoção e protecção) e equivalente à jurisdição penal (tutelar educativo). No mais – divórcios litigiosos onde há menores, as já referidas regulações de poder paternal, inventários em que há menores -, bem espremido, pouca especialidade existe que faça com que tenha de intervir. Mas pergunta-se: e ficam os menores órfãos de cuidados do Estado? Digo eu: aqui é que a remodelação do Estado devia operar no sentido de existirem advogados especializados, recém licenciados, com mais ou menos prática, mas especializados, em diversas áreas, nomeadamente na área dos menores. Se existirem advogados com vínculo ao Estado, será que não conseguem defender o interesse do menor? É que o Mº. Pº. interviria quando fosse necessário institucionalizar um menor ou em outras situações mais graves ou definitivas (aplicação de medida para futura adopção por exemplo). O que importaria era reservar tal corpo de magistrados para funções mais importantes e até ao nível de preparação no terreno de comissões de protecção de menores e sua supervisão.
O mesmo em relação a direito do trabalho. O Mº. Pº. lá faz as suas contas e que na maioria das vezes os funcionários já têm modos de cálculo das mesmas e ganham, sim, ganham como procuradores ao mesmo nível de um procurador no D. C. I. A. P. de Lisboa, por exemplo, com casos de sobreiros ou burlas a seu cargo.
Por hoje é tudo, sendo que no próximo post irei falar sobre o Mº. Pº. no civil e um pouco no penal. Note-se que isto são ideias deste múltiplo esclerosado que visa dar ideias sobre o Mº. Pº. enquanto entidade.
Li, no Incursões, um post de Coutinho Ribeiro escandalizado com um magistrado judicial que disse que o problema das listagens era com o Mº. Pº. e que assim não perceberia que o problema era antes da justiça. E logo uma série de comentários a apoiar e a bater nos juízes, no C. E. J. e a aplaudir a vestibular fase do Mº. Pº. prévia à magistratura judicial. Bem, que tenho eu, juiz de uma comarca, a ver com o facto de num processo de Lisboa, em julgamento, com pseudo poderosos, se descobrir agora que há uma listagem encriptada com nºs. de telefone de agentes do Estado e que se tratou de lapso da P. T.? Eu até acho que o P. G. R. pouco ou nada tem a ver com isso. Mas, é tão fácil dizer que todos temos de viver os problemas da justiça. Será que eles vivem os problemas menores da justiça e que tanto têm desmotivado os juízes? Pode ser que sim.

16 janeiro 2006

Oportunismo-cláusula B


O Mº. Pº. tem diversas vertentes: penal e civil, para abranger tudo de forma mais ampla, tal como os magistrados judiciais. Para mim, é na vertente penal que o Mº. Pº. tem de continuar a ter um papel fundamental, não só ao nível da investigação mas também ao nível da defesa do interesse da justiça pugnando sempre pela melhor decisão ainda que contrária à conclusão que antes tinha retirado na investigação. Para isso são precisos meios nomeadamente humanos. Verifica-se que por exemplo este ano no Centro de Estudos Judiciários (C. E. J.) há mais vagas para o Mº. Pº. que para juízes. É uma falácia e uma falsidade do sistema que se devora a ele próprio. Repare-se: o Mº. Pº. na jurisdição civil. Para mim, e desculpem lá, é quase inócuo o trabalho do Mº. Pº. Vejamos o civil puro e duro: que faz o Mº. Pº.? Representa os ausentes, interpõe acções para declarar associações ilegais ou cláusulas dos seus estatutos desconformes com a lei, representa os interditos e pouco mais. Que desperdício. Um magistrado do Mº. Pº. para assinar uma folha de um processo para se considerar feita a citação nos termos do artigo 15º, do C. P. C.? Uma promoção no sentido de se nomear um curador ao interditando? O frete de se ter de ir (se o juiz e as partes não dispensarem a sua presença) ao julgamento em que houve citação edital? O promover-se execuções para pagamento de custas, na maioria das vezes impossíveis de cobrar? Há mais exemplos mas não vale a pena continuar (e o post começa a ficar longo). Além de ser um desperdício no uso de faculdades de quem pelo menos estudou 18 anos e a quem o Estado paga como alguém com conhecimentos acima da média, chega a ser escandaloso a vida que um magistrado do Mº. Pº. colocado num juízo cível tem comparada com a de um juiz de um mesmo tribunal. E, sem medos, recebe exactamente o mesmo. Não pode haver boa produtividade desta forma. E, para terminar, por hoje: mesmo no domínio dos menores. Existe uma forte tradição de o Mº. Pº. defender os seus interesses e que deve manter-se por que aí o trabalho se vem revelando cuidadoso mas penso que não há tanta necessidade de intervenção em determinadas situações: regulação de poder paternal em que pais e juiz entendem que os interesses do menor estão protegidos (mas a bênção do curador de menores é fundamental sendo certo que nunca antes da conferência do artigo 175º, da O. T. M. viu os pais pois foi o funcionário que ouviu e elaborou o requerimento inicial que o magistrado só assina); e mesmo quando há julgamento, que faz o Mº. Pº. na audiência? Pergunta o que o juiz esqueceu ou o que os advogados esqueceram ou o que só ele vê? Caso não concordasse com a sentença, poderia recorrer, isto para não ser afastado tout court. Há que libertar agentes para se melhor trabalhar no crime.idadoso mas penso que não há tanta necessidade de intervenção em determinadas situações: regulação de poder paternal em que pais e juiz entendem que os interesses do menor estão protegidos (mas a benção do curador de menores é fundamental sendo certo que nunca antes da conferência do artigo 175º, da O. T. M. viram os pais pois foi o funcionário que ouviu e elaborou o requerimento inicial que o magistrado só assina); e mesmo quando há julgamento, que faz o Mº. Pº. na audiência? Pergunta o que o juiz esqueceu ou o que os advogados esqueceram ou o que só ele vê? Caso não concordasse com a sentença, poderia recorrer, isto para não ser afastado tout court. Há que libertar agentes para se melhor trabalhar no crime.

15 janeiro 2006

Oportunismo-cláusula A


«Oportunismo – sistema de transigir com as circunstâncias ou de se acomodar a elas, aproveitando-as.».
Depois de ouvir a viúva de Sousa Franco acusar Manuel Alegre de praticar oportunismo político, ela que se tornou deputada depois da morte do marido e com o seu nome, lembrei-me de começar a tecer o meu testamento sobre algumas realidades psico-afectivas e sociológicas. Há tanto para dizer. Mas não tenho tempo. Tchau.
Nááá. Vamos lá. O Ministério Público, adiante designado por Mº. Pº.. Está na berlinda e agora o seu Chefe Máximo (leia-se Procurador Geral da República ou P. G. R.) vê luz na porta aberta. Pus-me a pensar: a justiça quando é falada tem sido por que motivos? Começou, do que me lembro, pós era Calimero, com a questão das prescrições abundantes no tempo do Arquivador Mor, leia-se Cunha Rodrigues. Contemporânea era a questão dos adiamentos em processo penal, leia-se Figueiredo Dias e o seu distinto Código de Processo Penal. Tais problemas foram corrigidos, ou seja, arquivador tem um trabalho no estrangeiro e a lei processual penal foi alterada. Mas as vozes continuam. E agora, com o processo da Casa Pia, são inúmeros os problemas que surgem: prisão preventiva aplicada em excesso, escutas telefónicas nulas, listagens desconhecidas, interrogatórios judiciais mal realizados, má ponderação dos indícios existentes, incidentes de recusa que atrasam o julgamento, incidentes de escusa, juízes relâmpago que alteram, num dia, o que demorou meses a realizar e que são hoje Desembargadores. Mas, tendo de se ter humildade para reconhecer que se pode fazer melhor, penso que mudando o que é hoje o Mº. Pº. muito poderia melhorar na justiça. É o que vou procurar exemplificar no meu próximo post já que vou seguir o conselho de alguém nos tempos em que tinha leitores: post curtos. E, para seguir a tradição, deixo aqui algumas frases que li no «Expresso» de que cada vez gosto menos mas são frases que me agradaram e reflectem o que eu penso e sinto.
«Na era da terapia, em que toda a gente gosta de expiar publicamente as suas íntimas sujidades, pecar e confessar é o supremo espectáculo»-João Coutinho -; « O desejo típico do português médio que alguém ponha ordem nisto até se compreende quando tal ordem é para ser posta nos outros portugueses e não nele que obviamente não precisa por que (…) já anda na ordem desde que nasceu» - M. E. C.; «Os ricos e abastados nunca entenderão a vergonha que os pobres sentem de serem pobres e parece que alguns ministros deste país também não, talvez porque integraram com grande à-vontade e falta de escrúpulo o mundo dos ricos» - Clara Ferreira Alves e a sua Pluma caprichosa. Nada oportunistas estas citações.

12 janeiro 2006

weird



09.03 horas. O porteiro abre as portas do tribunal com o auxílio de uma roldana que se move à medida que roda a manivela. Lentamente, a portas abrem-se de par em ímpar.
O juiz presidente chega. Mal entra no átrio o porteiro desdobra à sua frente uma carpete vermelha que se vai deitando aos pés do magistrado. Este pára numa espécie de clarabóia e espera que os funcionários o puxem. Os funcionários agarram-se uns aos outros apanhando o último o cabelo do juiz que assim o puxa para o andar superior à medida que os funcionários vão recuando para que o juiz, erecto, possa voltar a caminhar no 1º andar.
No gabinete, a funcionária inala jactos de perfume que depois, abrindo a boca, asperge para o ar. Um senhor tem uma ficha ligada ao nariz e o juiz, ao sentar-se num cadeirão em forma de águia, puxa-lhe a orelha e acende a luz. Toca a despachar os processos. «Este vai para Angola, aquele para São Tomé, aqueloutro para Bombaim». Já está.
O juiz tem um julgamento! Há cinco meses que o juiz não ia à sala! Ao sair de preto, todos se alinham em sentido enquanto umas vestais atiram flores para o ar à medida que o juiz se dirige para a sala de julgamentos.
Quem é? É o Juiz! Aaah!
O juiz senta-se. Vai ser lida a sentença. Do interior da parede emergem dois lábios que começam falar. O arguido está de olhar fixo, por duas hastes de ferro, nos lábios. Os ditos lábios param, enquanto a funcionária lhes vai passando um pouco de baton glosso. O juiz está imóvel enquanto um mimo-estátua se rói de inveja por não o conseguir imitar. Os lábios param de se mexer. O juiz levanta-se: «Percebeu?». O arguido treme que nem um Papa ancião. «Mais ou menos». «Entrem os explicadores». Dois homens a rolar em patins percorrem toda a sala vezes sem conta atirando contra o arguido palavras dispersas. «Paga», «arrepende-te», «absolve-te», «confessa». A funcionária abre a aporta e os explicadores patinam para a saída e desaparecem nas escadas estando à sua espera no fundo das mesmas dois homens com um lençol.
O juiz avança agora por entre as carpideiras que lamentam a sorte do arguido. Não se comove apesar de por dentro estar lavado (antes do julgamento ingere sempre um cálice de lixívia).
Noite. Já se vê mal e o juiz puxa a orelha ao homem e apaga a luz. As empregadas de limpeza saem debaixo do chão onde hibernam durante o dia e esfregam com o cabelo o soalho. O juiz dirige-se para o seu veículo semi-motorizado de duas rodas. Arranca enquanto o porteiro roda a manivela. As portas fecham-se. De ímpar em par.

08 janeiro 2006

ponta solta



Mas para que aceitei meter-me nisto? Nunca gostei de jantares de despedida. Nem os dos outros quanto mais do meu.
Simão já sabes que há regras e que não te custa muito. É só por uma noite e depois tens o tempo todo á tua frente. Vá, despacha-te.
Que querida, sempre com razão. Bolas, não há maneira de conseguir fazer este nó.
Dá cá pai. Já sabes que sou eu que te faço o nó da gravata.
Simão dá um beijo na filha enquanto diz «o que seria de mim sem ti».
É Simão que conduz até ao restaurante. Fica numa quinta do lado de lá da cidade. Quando chegam, Simão vê colegas a acenar-lhe. Um deles começa a correr à frente do carro apontando para um lugar fingindo ser um arrumador. Simão ri e ao sair finge dar uma moeda ao colega juiz ainda no activo.
Bem vindo pá. Isto hoje vai ser de arromba. Olá, e parabéns por ter conseguido convencer este bicho de toca a sair esta noite para a festa em honra dele. Simão troca um olhar com a mulher que mente dizendo que o marido estava ansioso por vir.
No jantar, Simão ficou sentado numa mesa comprida e rectangular tendo a mulher e a filha do seu lado. Houve cantoria de uma tuna de uma faculdade, de um coro e de um secretário que arranhou umas notas numa viola. Mas, Coimbra, faz sempre as pessoas cantar.
Discursos. «Um grande homem e um grande juiz», «decisões sábias e simples», «um bom amigo acima de tudo». A todos Simão agradecia com uma ligeira vénia e um abraço ao discursante. A filha bocejou. Chegou a hora do discurso. Simão começa a levantar-se. Uma ligeira dor na têmpora faz com que leve a mão à cabeça. Subitamente, a sala é devorada pelo vazio. No lugar das mesas surgem árvores e um lago. Pelo meio, caminha Simão com uma bengala na mão direita. Vagarosamente. A seu lado um casal de namorados troca alianças de amor enquanto à sua frente o mesmo casal discute e o homem vira costas à mulher. De trás de uma árvore saem dois homens um recebendo pequenos papéis e o outro aceitando notas. Enquanto um desdobrava o pedaço de papel outro era agarrado por dois homens fardados de azul que o levavam para um carro, também azul. Dois velhos num banco discutem sobre a quem pertence o pedaço de areia no chão fazendo riscos atrás de riscos acabando por se voltarem de costas um para o outro. Uma viúva conversa com os filhos noutro banco do jardim procurando convencê-los que aquela era a última vontade do pai. Simão continua a caminhar até um estrondo de dois automóveis a chocarem estancarem a sua marcha. Ao lado, um homem de fato cumprimenta outro, também de fato mas em chamas. Assustado, muda de direcção para onde a calma parece reinar. Pára junto de um portão. Com as duas mãos empurra-o abrindo-o lentamente.
Uma longa avenida rodeada de árvores. Caminha com o sol a passar por entre as folhas e a iluminar-lhe a cara. Sem saber porquê, olha para o lado. Um buraco, fresco com uma pá ao lado. Estático. Um breve relance pela avenida. Ao fundo um grupo de pessoas de preto a seguir um carro. Sair daqui. Sair o mais depressa. Atira a bengala para o buraco e vira na primeira via caminhando com maior facilidade e sem cabelos brancos. Volta a virar e correndo exibe o vigor da juventude. A saída. Ultrapassa o portão e vê-se reflectido no vidro de um carro. Uma criança. Uma criança com olhos profundos. Os mesmos olhos que estão fixos em si à espera que fale. Querida Belle.
A dor já passou. Um ligeiro incómodo atravessa a sala de jantar. Simão cerra os punhos e apoia-os na mesa. Depois, lentamente, olha em frente e ergue-se. Pega num copo ao que todos se levantam e o imitam. Olhando para a mulher e para Belle pronuncia:
À vida.

06 janeiro 2006

Última Hora!



Vítor Constâncio encontrou motorista para a nova frota. O homem ficou agradecido.

Instantâneo


Consegui fotografar António Morais e Neidi Becker ao saírem do Columbo e a verem pela primeira vez a notícia de hoje do Independente.
Um abraço a Vítor Constâncio e à sua nova frota de automóveis.

03 janeiro 2006

Conto de Natal-IV


O Espírito moveu-se vagarosamente e aproximou-se de Scrootes. Ao chegar ao pé de si, Scrootes dobrou-se aos seus joelhos. O Espírito estava todo vestido de preto não se conseguindo ver nada do seu corpo com excepção de uma mão.
Eu sei que tu és o Espírito do Natal Futuro. Eu temo-te mais do que qualquer espectro mas como sei que me vais fazer bom, estou preparado. Não falas comigo?
Nenhuma resposta. A mão apontava para trás deles.
Vamos Espírito, vamos! A noite está a acabar.
O Espírito entrou na cidade e parou ao pé de dois deputados que conversavam no Parlamento. Como Scrootes viu que o Espírito apontava para eles, aproximou-se para ouvir o que diziam:
Não, disse o deputado gordo e a fumar charuto. Não sei muito só que se demitiu ontem à noite.
Porquê? Parecia sempre tão seguro de si!? Nunca pensei que se demitisse.
E o poder? Para quem o deixou?
Não sei, disse o deputado gordo. Para mim não foi. Adeusinho, tenho uma festa hoje à noite.
Scrootes estranhou que se desse tanta importância a uma conversa tão trivial. Talvez algum director de um Hospital se tivesse demitido ou de um Instituto. Mas devia haver algum segundo sentido por isso começou a pensar se não teria sido o Presidente a demitir-se. Procurou por si nos corredores do parlamento mas nada.
Abandonaram esta cena e deslocaram-se para outro local da cidade onde havia pessoas feias, montes de papéis amontoados em corredores e armários. Era o Tribunal de Contas. Três pessoas reuniam-se à volta de papéis enquanto falavam entre si.
Deixa-me ver. O que tens aí?
É a carta dele onde admite que errou!
Não posso crer! E a qualidade do papel, de rascunho! Até papel de qualidade, na hora de se vir embora, lhe negaram. Que tristeza! Depois de tanto ter e nada dar, tudo perdeu.
Scrootes assiste à cena com a mão na boca, horrorizado.
Já percebi! Isto é o que me pode acontecer se eu não mudar!Obrigado, Deus, por em indicares o caminho!
A cena mudou. Scrootes quase toca numa mesa mal iluminada. E, sentado a uma cadeira, sozinho, desprezado, um homem desconhecido.
Espírito, deixa-me ver alguma piedade com este pobre homem senão este gabinete nunca sairá da minha cabeça.
O espírito conduz Scrootes à casa do seu assessor. Sossego. Os miúdos pareciam estátuas numa esquina. O pai devia estar a chegar agora que o filho mais novo estava numa instituição por não poderem tomar conta dele. E aí está o pai. Assim que chega, as crianças abraçaram-no e juntaram as faces à do pai.
Fui lá hoje, sabes e prometi-lhe que voltava no Sábado. Nunca vi um lugar tão verde como aquele. Oh, o meu filho, que saudades. Mas há-de aparecer um novo político que me aceite e tudo melhorará.
Espírito, disse Scrootes. Diz-me, quem é que se demitiu?
O Espírito leva-o até um gabinete luxuoso com uma bandeira portuguesa ao lado da cadeira e aponta para a assinatura num papel. José Scrootes!
Fui eu que me demiti? Não, Espírito, ouve, já não sou o homem que era, vou ser u homem diferente que vai passar a ouvir e a dialogar a sério Vou honrar o espírito de Natal durante todo o ano! Vou ver em cada português uma oportunidade de melhorar Portugal e não um potencial inimigo a abater!
O Espírito encolheu e desapareceu na cama, a mesma cama onde Scrootes está agarrado a um lençol. Lá fora, o dia, sem neblina ou nevoeiro.
Que dia é hoje, miúdo?
Hoje? Dia de Natal!! Pega, vai comprar o maior peru que encontrares e diz para o trazerem para aqui. Vai, que eu dou-te 20 euros!
O rapaz disparou.
Vou mandá-lo ao meu assessor. Ele vai ficar contente!
Scrootes começou a andar pela rua e distribuía, de graça, sorrisos a todos por quem passava. Um feliz Natal para si! E para si também!
Scrootes foi á casa do assessor. Assim que este ia a sair, Scrootes disse: Olá! Isto são horas de ir trabalhar?
Desculpe, senhor, atrasei-me.
Pois é, pois é.
Não voltará a acontecer.
Olhe, eu só vou dizer isto uma vez: não tolero mais que coisas destas aconteçam. Não voltarás a atrasar-te e a ir trabalhar no dia de Natal. Ah, e vou aumentar-te o salário!
O assessor ficou sem palavras.
Feliz Natal meu amigo e colega!" A partir de agora vou pagar-te horas extraordinárias e permitir que tenhas um óptimo seguro de saúde para toda a tua família. A minha cabeça fervilha de ideias novas: os juízes vão poder escolher as suas férias, vão ser ouvidos em assuntos que lhes digam directamente respeito, vão ter salários de efectivos e não estagiários, vou gostar deles e eles vão gostar de mim! E os médicos, os enfermeiros, os professores, os polícias, todos, todos vão ver em mim um homem que só lhes quer bem! E eu vou fazer tudo para que todos tenham o melhor e fazer deste Portugal o melhor país do Mundo para viver. EU ADORO-VOS PORTUGUESES!
Scrootes nunca mais viu espíritos.
Foi o fim de um conto de Natal. Não sei que irei escrever de ora em diante. Talvez seja mais técnico (afinal, gosto de direito). Talvez outras histórias (estórias?). Talvez seja EU o novo rosto! Bah, tenho de tratar desta soberba.

01 janeiro 2006

Um rosto diferente


Do cimo da rocha observava o caudal do rio. Não há duas correntes iguais. E pensei: não podemos ser todos iguais. Não somos todos iguais. Neste País, somos todos diferentes. E, claro, somos todos melhores que os outros pois nós sabemos muito bem o que se passa e sabemos para onde vamos.
Eu, o que sei, é que se trata o diferente de forma igual. E que cada vez mais estamos iguais aos piores. Honestamente, não auguro futuro feliz a Portugal. E não se trata de pensar que a lei errou ao reduzir as férias judiciais, que o legislador é cego ao permitir que juízes que acabaram o estágio ganhem como estagiários, ao ter permitido que se formatassem juízes, incluindo do foro administrativo, apressadamente em denominados cursos especiais e, de repente, haja juízes a mais. Não, não é isso. Para mim, o português perdeu-se. Não se encontra entre o labirinto formado pelo consumo a que foi conduzido e a vergonha de ter de dizer que não pode. Perdeu-se ao pensar que podia criar empresas para enriquecer rapidamente e que isso não afectava a economia nacional. Embriagou-se na quantidade enorme de direitos laborais que nasceram com a revolução e que, em pessoas que teriam pouco mais que a quarta classe, eram a sua arma de ataque sempre que um patrão, ocasionalmente competente, pedisse mais trabalho.
O funcionário público não é feliz. Só o é o incompetente. Esse, ganha o mesmo que o competente, tem a mesma nota e ainda graceja com o árduo trabalho do colega; e se for preciso até lhe pede para não trabalhar tanto senão o chefe começa a exigir mais. O incompetente é o primeiro a gritar «Injustiça!». É o primeiro a dizer que não trabalha. E isto não sei se mudará.
Assisto preocupado, na minha pequenez, (que desde já proclamo) a uma clara sintonia entre Governo e grandes empresários. Aumentam-se pouco os salários dos trabalhadores: os grandes empresários aplaudem. Por que será? Clama-se por despedimentos e que é inevitável fechar empresas? Os grandes empresários aplaudem. Porquê?
E as pessoas? As pessoas pelos vistos tentam fazer o que faziam antes. Mandam muitos sms, vão para a neve, mesmo faltando ao trabalho, compram a crédito a televisão. O exemplo de cima é infeliz: em tempo de crise, em que se pede ao povo que tenha compreensão, passam-se férias de quatro dias no estrangeiro!? As pessoas podem passar férias onde quiserem mas pede-se o que não se dá? Assim é fácil: o empresário diz que é preciso fazer sacrifícios numa entrevista ao volante de couro do bólide encomendado com tecnologia Bluetooth a caminho da sua segunda vivenda no Sul. Que custa pedir sacrifícios desta forma?
Falta seriedade intelectual em Portugal. Assumir que a nossa cultura é muito fraca. As pessoas esgotam espectáculos e brinquedos do Noddy como se o jovem tivesse nascido ontem e não há mais de 30 anos e não sabem em absoluto de tal facto. O cinema português é confrangedor, hesitando entre ser intelectual ou mostrar seios (parece que Alice é mesmo bom mas não vi).
Jornalistas, médicos, engenheiros, juízes, professores, enfermeiros, serventes, carpinteiros são todos diferentes. Não se pode legislar para todos de igual forma em busca da inútil obsessão do défice. Quando este estabilizar, a crise irá sempre existir, como a do teatro. Que haja um rosto diferente que o perceba.

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