30 setembro 2005

Conto e máscara


Bom dia menina. O seu pai está? Muito obrigado diz enquanto entra no corredor. E esta chuva que não pára?Não venho incomodar não?Veja lá, posso vir mais tarde. E a menina já está de férias não está?Descanse muito menina Teresa, olhe que mais vale um burro saudável que um doutor doente.
Pai, é o Sebastião. Diz que quer falar contigo. Além de outros falatórios. Este último comentário foi dito em voz baixa à irmã.
Entra Sebastião e come um pouco de presunto. Raquel põe mais chávena na mesa.
Obrigado patrão diz enquanto tira a boina da cabeça e a coloca no cimo da cadeira. Na verdade, o café da minha mulher não é tão gostoso como o da sua casa.
Raquel coloca-lhe a chávena à sua frente e Sebastião deleita-se com cada gole.
Manuel ramos gosta de Sebastião. Mas o facto de ainda estar na aldeia e não no monte preocupa-o. Mas não quer falar à frente das filhas.
Leve um pouco de presunto para a sua mulher, diz Raquel enquanto o pai e Sebastião se levantam e se dirigem para a porta.
Saiem para a rua e com Manuel Ramos a conduzir a carroça segurando nas rédeas despedem-se.
Já começou?
Sim mas além disso há outra coisa, patrão. Acho que o Ganso fez estragos no jardim da sua mulher.
Um forte esticão trava o cavalo. Em redor da carroça apenas se ouve o silêncio nú da planície e o arfar do cavalo. Manuel Ramos fixa Sebastião com olhos cobertos de chuva.
Não o jardim, Sebastião. Foste longe demais, António Valente.
Desde o momento que manuel ramos conseguiu construir um pequeno reservatório de água abrindo um burtaco na terra que António Valente, dono do monte Oliveira nunca mais o largou. De uma vez foi a cadela que pariu cinco cachorrinhos todos mortos. De uma outra os fardos de palha apareceram todos dentro da pequena barragem. Mas não o jardim.
Manuel Ramos agarra nas rédeas e com um berro o cavalo começa a galopar.Os pulsos de Manuel Ramos dilatam-se enquanto Sebastião enterra a boina até aos olhos e se segura com uma mão na carroça. Continua a cair chuva, agora miúda que vai empapando a terra. As narinas estão completamente abertas e as pernas começam a doer. Os tempos de juventude são uma recordação. O dorso já não sente a ira do dono. É preciso avançar mais depressa. Ah! Se fosse ontem não haveria estrada que não percorresse a galope. A pressão das rédeas diminui. Hoje a subida foi mais íngreme que nunca. As lágrimas queimam-lhe os olhos.
Manuel Ramos salta da carroça e a correr dirige-se para uma pequena descida. Pára a meio e fixa o limoeiro tombado com as raízes arrancadas do solo. As hortaliças estão destruídas. Manuel Ramos apoia os braços num portão de madeira e contempla Luísa que canta enquanto retira sementes do avental e as atira para a terra. Antes de cobrir cada semente murmura algumas palavras. Era o seu segredo. Assim todas cresceriam fortes. Limpa as mãos ao avental e avança para o marido sorrindo. Manuel Ramos fecha os olhos e volta-se de costas. Por que a arrancaste de mim?
Os trabalhadores do monte rodeiam-no. Ninguém pronuncia uma palavra. Manuel Ramos retira um lenço do bolso e seca as lágrimas. Em seguida dirige-se a Sebastião e pousando a mão no seu ombro diz algo imperceptível para os outros.
Voltem para o trabalho. Aqui não me podem ajudar.
Os homens tomam o caminho da labuta. Sebastião já está ao lado do patrão.
Aqui estão.
Manuel Ramos agarra na enxada e no ancinho e começa a trabalhar a terra.

Ainda no mundo do processo penal, atruibuindo-se maior valor às declarações do arguido que sempre esteve apoiado num defensor, atinge-se a fase da acusação. Aqui não se pode inventar. Ou há indícios e acusa-se ou não há e arquiva-se. Mas é preciso não esquercer que aqui entram muitos factores que podem deturpar a boa qualidade de uma acusação que quando há (e há muitas) é praticamente meio caminho para se obter boa justiça. Dese logo que o Mº. Pº. vive obrigatoriamente obcecado pela estatística, não só em número de processo findos mas também em se operar com diversos institutos jurídicos que as chefias entendem ser de aplicar de forma inovadora (suspensão provisória do processo, sumaríssimos) mas também com a acusação de crimes diferentes e fora do comum. Não é possível desmentir que por vezes surgem acusações que só podem existir para se escrever numa determinada quadrícula que se teve um processo daquele tipo de crime. Será que ninguém não teve julgamentos em que o Mº. Pº. diz ao juiz que aquilo é para absolver por que não há prova? Ora isto vicia o sistema e causa perturbação pois é mais um julgamento que nunca se devia ter realizado.
Mas proferida a acusação, surge muitas vezes a instrução. Ora, penso que devia haver coragem para limitar esta fase processual só aos crimes mais graves, tendo em atenção a sua moldura mas no mínimo, nos crimes com pena de prisão superior a cinco anos. É que são inúmeras as instruções de crimes de injúrias, ofensas á integridadade física (em Lisboa talvez não mas o resto existe), crimes de natureza fiscal que tenho muitas dúvidas se deveriam todos eles serem crime e não deveriam antes redundar em fortes sanções a nível económico e empresarial. Qual a vantagem de estar a ouvir testemunhas (que o Mº. Pº. não ouviu pois ou foi o funcionário que as ouviu ou os órgãos de polícia criminal, isto em regra) para saber se A cmou B de filho da .... Estes julgamentos nem deveriam ocorrer em tribunais de comarca mas antes em equivalnetes penasi a julgados de paz. Mas ainda haver três fases num processo desta natureza em que o que está em causa é a má educação das pessoas é em si próprio injurioso. Por outro lado penso que por vezes a lei não tira a máscara e finge que trata todos como igual. Não consigo perceber por que é que todos os tribunais superiores e T. Constitucional acolhem a ideia de que na instrução o juiz tem de estar sozinho a ouvir testemunhas sem a presneça ou intervenção de mais ninguém. Então uma pessoa contrata um advogado que faz um requerimento de abertura de instrução, carreia prova e o juiz é que, já tendo decidido sem haver recurso possível quem ouve, vai ouvir e decidir o que perguntar? O advogado que falou com o arguido não saberá melhor o que se deve perguntar e o juiz, se achasse que era irrelevante, não permitiria a pergunta não seria uma melhor solução? É que pretendendo evitar-se o contraditório poderá sim evitar-se por exemplo a presença do advogado do assistente já que irá contradizer no debate ma simpedir o advogado que requereu a abertura de instrução nao me parece justo. E mesmo em termos processuais não faz sentido pois no debate instrutório, aquele advogado que sempre queria fazer perguntas e que se apercebe que o juiz não as fez, requer diligências de prova do debeta (mais perguntas) obrigando, se for deferido, a reiniciar uma inquyirição d euma testemunha que certamente não estará presente.
Ou seja, diminuir os tipos de crime em que pode haver instrução e alterar por exemplo esta regra que mascara a justiça.

29 setembro 2005

Conto-II


A chuva e o frio batem contra os vidros da janela do quarto. Raquel afasta as cortinas, abre as portadas penetrando tímidos raios de sol que fazem brilhar as gotas de água. Teresa, a irmã, dorme profundamente. Ainda pensa em acordá-la mas abandona rapidamente a ideia. Deixá-la aproveitar os poucos dias de férias de Natal. Dirige-se a um dos cantos do quarto onde estão uma bacia um jarro com água. Com movimentos ágeis prende os longos cabelos castanhos atrás da nuca. Despe a camisa e despeja a água arrefecida pela noite dentro da bacia. Junta as mãos em concha e leva-as ao rosto. Um longo arrepio percorre-lhe o corpo. Dezeoito anos vivem docemente. No Inverno uma camisola grossa de lã esconde disi seios que um crente não hesitaria em afirmar serem obra divina. Os mesmos seios pelos quais escorrem gotas de água em direcção ao soalho enquanto se limpa a uma toalha.
Já vestida e com o cabelo atado num perfeito rabo de cavalo, abre a porta do quarto e desce o longo lanço de degraus que a encaminham até à cozinha.Daí a pouco o pai levanta-se e é preciso ter o pequeno almoço preparado. As chávenas estão na mesa desde a noite passada. Quando Raquel está a cortar o pão surge Teresa ainda com farrapos de noite a prenderem-lhe os olhos.
Por que não me acordaste? Queres fazer tudo sozinha?
Raquel não responde. Tem de esperar algum tempo até o bom humor da irmã regressar. Nessa altura Teresa volta a ser a rapariga alegre de sempre. Agora está ao pé da lareira a afastar as cinzas da noite passada. Dentro em pouco a cozinha será o local mais quente da casa. Depois das não correrem o risco de se desvanecerem, chega o momento de fazer o café numa cafeteira azul ainda dos tempos do enxoval da mãe.
Uma cama. Um guarda-fatos. Um crucifixo. Manuel Bernardo Ramos de joelhos aos pés da cama. Decerto ora pelas filhas. E sempre pela mulher. Levanta-se e caminha em direcção á cozinha. A chiadeira das botas avisa a sua chegada. Dá um beijo em cada filha e em seguida o ritual obrigatório de todas as manhãs: espreita pela janela para tomar o pulso ao tempo. Um levantar de sobrolho preocupa Raquel.
Os três sentam-se à mesa. Batem à porta.

27 setembro 2005


Sobre processo penal, os problemas que na minha opinião são mais retardadores de uma melhor justiça prendem-se com situações que numa sociedade que quer a verdade não se entendem. Vejamos: o arguido quando é ouvido num interrogatório judicial detido na maior parte das vezes confessa o crime. Até lhes é dito que não são obrigados a falar mas como acabaram de cometer o crime e tudo se processa de forma rápida - detenção, colocação na cela, viagem a tribunal e estar perante um juiz - faz com que a adrenalina ainda esteja alta e sintam necessidade de falar. Pois bem, este arguido que perante um magistrado confessa o crime, se se calar na audiência e não houver testemunhas, tem de ser absolvido. Como não presta declarações no julgamento, não pode ser confrontado com o que disse anteriormente.
Este é o caso mais paradigmático que todos os profissionais do foro conhecem e tenho a certeza que os deputados também mas que estranhamente não muda. Desabafo: só pode ser por que um dia lhes pode dar jeito. Teorias que são imprescindíveis mas em que algumas que fazem com o cidadão se afaste da justiça têm de ser esquecidas. A ideia que o arguido tem de ser protegido a todo o custo atenta a sua posição frágil, que a estratégia de defesa que escolhe não deve ser limitada por normas que impeçam o uso dessa estratégia só causam frustração e injustiça. O juiz que ouviu o arguido a confessar o crime tem de absolvê-lo; a vítima não percebe pois até transpirou do inquérito que o arguido tinha admitido a prática do crime. E vê-o a ir embora a sorrir.
Mas agora o arguido confessou na polícia quando aí foi ouvido. Aqui já de nada vale este depoimento, fale o arguido ou não. A polícia pode tê-lo forçado a falar e até lhe pode ter batido. Há aqui algo que não está bem que obriga a máquina judiciária, à cautela, a procurar prova mesmo quando o arguido confessou. Solução: eu penso que desde que assistido por um defensor (advogado), o que o arguido declara perante a polícia ou magistrado do Mº. Pº. ou juiz teria de ter valor. Pode haver pormenores que venham a ser esclarecidos em audiência mas no essencial o arguido já confessou e só se provar que a confissão é nula é que não poderia ser valorada.
Mas, antes do julgamento, há o inquérito. E neste, nos casos menos graves, a investigação nada mais é do que a repetição de formulários com remessa à polícia de inquirição de testemunhas sendo o magistrado do Mº. Pº. um magistrado de gabinete que procura aliviar a sua mesa acusando ou arquivando. Se calhar neste País onde toda a gente se queixa de tudo e de todos, pouco mais há a fazer. Mas esse magistrado do Mº. Pº. quando recebe um processo complexo tem a mesma reacção que o juiz e que já tinha referido: procura averiguar se o tribunal será mesmo competente a fim de o remeter para outra comarca. Mas se for competente, remete-se (por força da lei) a investigação à P. J. que lá vai investigando sozinha com o Mº. Pº. a perguntar de 60 em 60 dias como estão as diligências (as excepções ocorrem com o DCIAP e com aqueles que magistrados que são melhores que o normal) . Alguns anos depois o processo vem investigado e o Mº. Pº., apoinado-se num relatório da P. J. acusa. O Mº. Pº. teria de estar mais perto da investigação e deixar de ser em crime o mero relator de acusações e arquivamentos. Junto da P. J. teria de haver magistrados do Mº. Pº. que dirigiam na hora a investigação. Mas a guerra entre P. J. e Mº. Pº. existe e a P. J. muitas vezes não aceita qualquer interferência do Mº. Pº. e assim o Estado está nas mãos não de juízes ou magistrados mas da forma como um Director decide quais as devem ser as formas de trabalho na sua Direcção. A coordenação tem de melhorar e procurar que se descubra a verdade e depois desta descoberta, não pode o Estado desperdiçar o que fez com direitos ao arguido que não beneficiam ninguém senão o arguido.
Mais tarde continuarei neste tema mais palpitante do processo penal. Direi agora que os meus alter-egos de vez em qaundo invadem o blogue e nada posso fazer a não ser publicar a imagem dele para não confundirem com este moicano. E hoje o Sr. Strelnikov diz que Felgueiras coreu mal (no mínimo uma caução), que há políticos que não abdicam do poder, que as greves são para quem precisa de pão, que o Expresso exagera no ódio a juízes, que desconheço se Fátima Campos Ferreira e Saldanha Sanches já fizeram as traduções que publicamente ofereceram gratuitamente em processos judiciais, se Boaventura Sousa Santos precisa de muitos fatos caros, se os juízes deixam de ser novos ricos, e se este Ministro sabe que se quiser determinar os horários das diligências os juízes só lhe irão agradecer pois irão trabalhar 1/10 do que fazem. Às vezes deveria sacar um comboio e percorrer os trihos do País a distrubuir panfletos.
Foi Strelnikov. O moicano voltará com conto.

22 setembro 2005


Num dia em que Portugal clama por justiça e se divide - prendam, não prendam -, o certo é que a beca tem de ser levada custe o que custar e sempre em frente diga-se o que se disser. Mas irei continuar no processo civil e no fim direi uma breve opinião a ver se com este traje preto não me comprometo.
O julgamento é dominado pela oralidade com recurso a gravação como já disse; os sistemas de gravação nos tribunais têm que ser melhores garantindo o máximo de fiabilidade possível evitando que haja inúmeras repetições por que os Srs. Desembargadores não conseguem ouvir o que foi gravado (o que existe é na grande maioria obsoleto - talvez em Lisboa, em Monsanto, haja sistema de gravação em CD o que é bastante mais fiável - a P. S. P. ou P. J. usa muito este meio de gravação depor exemplo escutas telefónicas. Finda a produção de prova as alegações devem ser sempre de facto e de direito. Não faz sentido que o advogado vá para o seu escritório escrevfer mais conclusões de direito que na esmagadora maioria das vezes não usa (prescinde desse prazo nas próprias alegações) ou que já disse na petição inicial ou contestação. O juiz terá então de responder aos factos para o que a lei deve sempre fixar um prazo, tendo em atenção a complexidade do processo mas que acima de tudo deve ser dado tendo em atençao a necessidade de justiça rápida mas consceiciosa. É preciso estudar o processo de novo para o ver agora com os olhos da prova já produzida e responder forma precisa. Actualmente penso que o que a lei determina está correcto, fundamentando-se o que se prova e não se prova sendo certo que muitas vezes a resposta aos primeiros já justificam as segundas. Na sentença, eliminar o relatório e o elenco dos factos provados iniciando-se pelo direito. Não sou apologista de senteças só tendo a decisão e então se as partes, atarvés dos seus advogados, o quiserem, deveriam requerer ao juiz a elebotação da fundamentação jurídica. Além de ser estranho só uma decisão - entregue-se a crainça ao pai, pague A a quantia de Y a B, absolve-se o pedido o Réu - a ditar uma ordem sem se saber por quê mesmo que se concorde com a decisão (a pessoa, mesmo que ganhe, tem direito a saber por que venceu até por quea justiça também é explicação), em Portugal isso traria efeitos negativos. Os juízes poderiam ir acumulando sentenças de decisões que já tinham dado pois tinham-no feito com base uma agend temporal que entretanto se apretava. As pessoas nunca iriam aceitar perder sem querer saber por quê (e com razão). O efeito útil seria mínimo e a aparência de justiça seria muito mais opaca. A sentença deve ser simples mas tem de analisar as questões jurídicas em causa e isso sempre será assim. Pode é escrever-se maios ou menos, até de acordo com a maneira de ser de cada época - uma sentença de dívida há cinquenta anos seria em termos de raciocínio certamente diferente.
No recurso da sentença, poder-se-ia nessa altura recorrer de outros despachos da audiência a serem apreciados em conjunto com o da sentença se disso fosse caso (um recurso que desse provimeto a uma nulidae principal levaria à nulidade do julgamento). As partes transcreveriam o que entendessem e o processo, uno, subiria ao tribunal superior.
Além disto, há muitos processos especiais sendo que alguns terão de manter-se (ainda somos um País rural, ainda que sem cultura na terra) como divisão de coisa comum, inventários, acções em que estão em causa direitos sociais mas sempre com processo mais simplificado. Há ainda muitas nulidades, uma invocáveis, outras oficiosas, com diferentes tipos de consequências e que muitas vezes só confundem e nada mais fazem do que voltar a repetir para dar mais do mesmo.
Muito há para dizer mas no próximo post, atiro-me ao processo penal. AH!, se o arguido que se descobre que mente em julgamento fosse punido talvez a facilidae com que s emente fosse diferente.

20 setembro 2005

conto

Uma bola salta junto à entrada. Do fundo do corredor irrompe um cavalo puxando uma carroça. As patas elevam-se acima da cabeça de Sertório. Raquel e Nuno caem no fundo da ravina. Os vidros da janela da cozinha partem -se com a pancada provocada pela ventania que anuncia a tempestade. Sertório grita pela mulher e filho que se despedaçam por entre destroços de madeira e ferro. Os seus braços são curtos para os agarrar fechando os olhos quando ouve os gritos debaixo das rodas da carroça. Velhas e amargas memórias irompem no cérebro outro fossilizado.
Começa a trovejar. Um raio fulmina o coração de Sertório. Num esgar de dor agarra-se ao peito.
Albertina bate à porta da casa de Álvares.
Por amor de Deus vem! Sertório está a morrer.
A última porta. Recompõe-se da dor e sentindo-se ir abre-a de par em par. Deriva pela rua da aldeia que não o viu chegar numa noite fria de Dezembro. Um clarão desencadeia a combustão. O corpo de Sertório explode num mar de sangue e veias rasgadas em absoluta desordem. Imobilizado por uns instantes, cai e é amparado por Álvares.
Já não sente a dor. Já não sente a chuva. A mão quente de Álvares procura no peito o que não encontra. As lágrimas de Albertina caem-lhe na testa. Sorri.
Por que sorris meu velho? Não largues aminha mão. Ainda temos tanto para mudar meu amigo!
Sertório olha para Álvares. Sem palavras. Um espasmo atira a cabeça de Sertório para trás. Não desvia o olhar do amigo. A boca escancara-se rebentando os músculos da face.Um pequeno estertor. Sertório já não é.
Cruzes e anjos. Um monte de terra marca a presença de Sertório.Entardece suavemente por entre farrapos vermelhos desenhados no céu.
Uma fotografia. Uma pedra. Fusão. O rosto do antigo combatente esculpido num rectângulo de granito.
A aldeia reune-se junto de Álvares que não os vê. Só Sertório, sentado em cima da laje os vislumbra. É preciso dar um sinal. Os corpos cumprimentam Sertório que recuperou a juventude. É bom estar de volta. O sinal. Álvares, alheio às boas-vindas fita em silêncio o rosto do amigo. A folha pousa em cima da campa. Sertório repara nela e agarra-a. Coloca-a em frente da cara de Álvares que não acredita no que vê:uma folha ressequida flutua diante do seu rosto. A medo, toca-lhe.
De onde vieram estas pessoas? Por que estão as campas abertas? Sertório!Estou louco, não posso...
Sou eu.Alguém espera por mim mas não podia partir sem me despedir.
Sertório e Álvares unem-se num abraço.
Adeus.
Sertório abandona o cemitério e começa a subir a encosta. O céu é a única fronteira. Álvares segura a folha e chora.
Este é o primeiro capítulo. É, talvez venham mais se entretanto o Sertório quiser contar a história.
Quanto a tribunais e processos, no próximo post mas só direi que em sentenças há que acabar com relatórios e elenco de factos provados. Se os advogados sabem o que fizeram no processo e jáse respondeu aos factos em dúvida, por que repeti-los? É que há Acórdãos a anular julgamentos, em civil ou criminal, por falta destes elementos.Quanto ao direito, até à próxima.

16 setembro 2005

Fim de pedras e amizade


Especializados os tribunais, criados tribunais centrais, com juízes melhor formados a nível nacional, haverá sempre muito a fazer mas penso que as pedras para uma melhor justiça estariam lançadas. Ah!, os códigos, esse conjunto de normas que orientam todos os que usam a lei. Bem, essa missão de propôr soluções é quase hercúlea mas vou tendo algum tempo.
O Código de Processo Civi é demasiado complexo. Um processo deveria ter no máximo três articulados - petição inicial, contestação e resposta -. A existência de despacho saneador está por dias (muitos juízes não o elaboram de forma legal e a lei já tem essa possibilidade havendo mesmo formas processuais que não o prevêm) A prova seria indicada nos articulados e aquilo que acho que deveria ser mais implementado com regime de obrigatoriedade era a existência de prova já produzida anteriormente em determinadas situações - acções de dívida por exemplo em que não vislumbro à partida óbice em que os depoimentos das testemunhas sejam escritos sob compromisso de honra da mesma testemunha sempre com a possibilidade de se confrontar a testemunha presencialmente. Em prova pericial quanto tempo não se perde na busca de peritos que ou se vão escusando ou que pela complexidade da questão fazem com que o processo se arraste. A interposição de uma acção em que se pretende a avaliação de uma dano corporal já viria suportada pela parte com o referido exame cujo custo afinal teria de ser imputado à parte vencida. E se a Autora não tivesse dinheiro para pagar, o apoio judiciário suportaria mas o Estado ficaria sub-rogado no dever da parte vencida em pagar esse valor. Se o tribunal considerasse pouco fiável tal prova (ou oficiosamente ou mediante alegação da partecontrária), poderia pedir, a título excepcional um outro exma mas atenção: todos os relatórios, das partes ou do tribunal teriam d eprovir de entidades anteriormente aprovadas pelo Estado como sendo fidedignas - I. M. L., clínicas ou institutos que existem neste País -. Isto pode parecer pouco mas se averiguarem a quantiade de acções declarativas com base em acidente de viação em que se pede tal tipo de indemnização que ficam á espera de relatório e que no fim servem para se criticar a justiça talvez não seja uma péssima ideia da minha parte. Isto para já não fala na famosa tabela de fixação d evalotres por cada tipo de dano cuja eficácia em Espanha não parece ser má de todo.
No julgamento, a oralidade deverá prevalecer mas com uma grande diferença: tudo é gravado. E quem quiser invocar qualquer situação ocorrida no julgamento (recurso) terá de transcrever essa parte em tudo semelhante ao recurso de agravom ou em que se ataca a matéria de facto provada. Também o tempo que se perde em requerimento ditados para um funcionário que lá vai escrevendo o que se lhe dita por pelo menos três pessoaas - requerente, requerido e juiz -é bastante e com a oralidade mitigada que proponho tal tempo é poupado.
Lá continuarei mais à frente. Agora, um pequeno desabafo: tenho visto blogues em que o dinheiro manda acima de tudo e onde magistrados atacam os anti-magistrados. Parece que há um clima de antagonismo em que todos querem ter razão. Da minha parte, não comento os anti-magistrados que têm a liberdade de dizer o que querm, bem ou mal intencionados. Mas um juiz não responde a atoardas; não gasta o seu tempo em cálculos financeiros para demonstrar não sabe a quem o que recebe ou o que despende. Não se pode dizer que não há tempo nas férias para se estar com a família e passam-se certamente muitas horas a pensar e a escrever em blogues. É na sentença que o juiz se revela; e aí, serenamente, pune os culpados, absolve os inocentes e cumpre o seu trabalho. As actividades sindicais são para quem o é no local certo - em diálogo com o poder sem o recear e respeitando-o e nunca desejando tê-lo. Achei triste tanta falta de união entre portugueses e tanta raiva. Nada tal traz de bom. Por isso, deevmos seguir o nosso caminho próprio, falando só o mínimo possível para permitir que um dia mais tarde ainda seja possível uma reconciliação como aquela que a fotografia mostra. Ah! Não sou padre mas bolas, às vezes parece que a religião podia ajudar um pouco principalmente em que muito, mas muito está mal.
No meu próximo post segue mais um pouco do conto.

11 setembro 2005

on the rocks-II,tremoços e conto

Em relação à existência de tribunais centrais penso que é essencial a sua criação. Casos concretos mas em abstracto: um DCIAP no decurso de uma investigação que se revelou longa e árdua - muitos arguidos, ramificação de interesses e agentes -acaba por deduzir acusação pela prática de inúmeros crimes de índole patrimonial contra cinquenta arguidos. Suponhamos ainda que não foi requerida instrução (quase impossível pois os arguidos não presos sempre ganham algum tempo e pode até suceder que haja uma não pronúncia nestes casos, no que penso, situação de excepção) e que o processo é remetido para uma comarca de interior por aí ter acontecido a primeira notícia do crime (um empresa que apresenta queixa por cheque sem provisão, por exemplo). Nessa comarca há dois ou três juízos , com um juiz cada, dois magistrados do Mº. Pº. e cinco funcionários cada. A agenda de ambos os juízos respeita a dilação de três meses na marcação de julgamento. Ultrapassada a fase de choque ao receber-se tal processo (inúmeros volumes, necessidade de introdução de dados em computador, estudo do mesmo e averiguação de que é aquele o tribunal competente) há que designar dia para julgamento. Este cabe aos juízes de círculo cuja agenda não consegue respeitar os três meses de dilação por ter bastantes processo nessa fase e mais complexos. Resultado: são marcadas diversas sessões que se vão repetindo ao longo de alguns meses (um ano ou mais duram alguns mega-processos). Os julgamentos realizam-se em diversos dias da semana por forma a que acabe o mais rápido possível. Ora, os julgamentos do juiz da comarca foram adiados por nesses dias ter departicipar como adjunto na realização do julgamento. Os julgamentos dos dois juízes de círculo que se realizavam nesses dias também tiveram de ser adiados. Entretanto, quer estes juízes quer o de comarca continuam a ter o mesmo nº de processos para tramitar. Pergunta-se: que vantagem houve em que o julgamento se realizasse na comarca onde houve a 1ª notícia do crime ou mesmo onde ocorreu o crime mais grave? Para mim, nenhuma. Acontece tanto que a notícia do crime se trata de um crime menor na complexidade de crimes em julgamento que só lateralmente é falada (por exemplo, crime de auxílio à emigração ilegal com factos ocorridos no Sul por parte dos angariadores mas em que há emigrantes clandestinos descobertos numa comarca do interior transmontano). Assim, com um tribunal central (pelo menos em número de três, um por cada distrito judicial), com seis juízes no(s) distrito(s) onde houvesse maior pendência, determinaria a competência para a realização de julgamentos mais complexos quer pelo número de arguidos, quer pelas matérias envolvidas. Penso que nehuma desvantagem isso trará aos purismos do direito (conceito de juiz natural) e traz vantagens: melhor especialização, melhor vontade em fazer os julgamentos pois foi para isso que concorreram para aquele lugar, maior rapidez pois terão menos julgamentos e inteira dedicação a esse processos e não outros processos de índole civil por exemplo e melhor preparação pois com maior dedicação e contínua especialização a regra é a melhoria das capacidas nesse tipo de funções. E o juiz de comarca e o de círculo continuam a ter a responsabilidade de bem orientar a sua agenda sem o imprevisto escolho de um mega-julgamento.
Mais uma vez digo: estas são ideias que se calhar são irrealistas mas a minha ideia é de como no terreno se podem melhorar os serviços da justiça e não como resolver em 2005 esses problemas. Mas há algumas questões que até poderiam ser já alteradas e que deixo a título de tremoços: por que fazem os juízes das varas turno e os juízes de círculo não? Porque não fazem os juízes de círculo providências cautelares? Por que fazem os juízes da comarca os julgamentos de oposição à execução quendo o juiz da vara tramita a execução? São algumas incongruências que não entendo e que sendo alteradas serviriam para dar algum sentido de justiça a estas coisas. Um juiz de círculo não tem qualquer óbice a fazer turno nem formal nem materialmente; o mesmo juiz de círculo realizava a providência cautelar que lhe era distribuída (de valor superior à alçada da Relação) e era depois apensada ao processo que viesse a ser instaurado; se já existia, procedia-se à distribuição da providência cautelar por entre os juizes de círculo. E em relação às execuções, só no mundo imperfeito é que um juiz de uma Vara tem competência para tramitar uma execução de € 10.000.000,00 e remete o julgamento da oposição nesse processo ao juiz da comarca. Vantagens: justiça entre magistrados, coerência do sistema, menos dias de turno para todos os juízes.
E agora o conto (behind the door):
Sertório agarra o ferrolho com as duas mãos e solta o trinco. Uma nesga de luz rasga a escuridão da casa cega há décadas. Sertório tapa os olhos e encosta-se à ombreira. Uma ratazana aventura-se pela varanda. O ancião recua mas a visão da cadeira empurra-o para o sol. O vento começa a soprar com mais intensidade e a folha esvoaça pelo ar rarefeito.
Do cimo das escadas olha em redor. Degrau após degrau sente as passadas nos ossos entorpecidos. A terra está aberta em chagas e uma nuvem de poeira cobre o quintal.
Mais uma porta. A chave, rendilhada de teias de aranha, aguarda presa à fechadura.Um corpo trémulo encaminha-se para debaixo da arcada. Funde-se com um pedaço de metal ferrugento. Nem um movimento. Inúmeras gotas de suor empapam-lhe os esparsos cabelos brancos. Desesperado pontapeia a madeira carunchosa. Anos de dor gritam quanto a porta se estatela e se reduz a pó. Sertório cambaleia para trás e é atacado por uma tosse cavernosa. Sim, o líquido vermelho nos lábos recorda-lhe que tem pouco tempo. Penetra no interior da cave. Onde estão? Ah, encostadas à parede são hoje uma sua cópia. Agarra no ancinho mas o contacto com a pele enrugada desencadeia a erosão final. Vagas de destroços flutuam no chão e um enorme pedaço de ferro afunda-se. A enxada. Olhos escancardos até ao infinito das órbitas. Sertório ergue-a e dois seres vivos pulsam ao mesmo ritmo. Sonoras gargalhadas ecoam por toda a aldeia acordando Albertina do sono leve da sesta.
As veias latejam enquanto desfere pancadas na terra dura. Só Sertório vê, por entre o emaranhado de ramos secos e ervas daninhas, o esqueleto da sua horta. Finalmente, atira a enxada para o chão agora livre de algemas. Grossos pingos de água começam a cair. Sertório regressa a casa. O caminho é agora um labirinto. O cheiro do sangue que lhe cobre a boca deixa-o mal disposto. O vento insufla-lhe a camisa que se transforma numa enorme corcunda. As escadas não têm fim é a custo que Sertório as vence.
Uma bola salta junto à entrada.
Até à próxima!

08 setembro 2005

pequenas pedras e contos

Obrigado pelos simpáticos comentários que espero conseguir ir dando resposta no decurso deste blogue não só dedicado à justiça que por vezes é bem maçuda. E sei que ninguém se lembra que coloquei a hipótese de escrever algumas linhas de um conto pelo que, para vossa infelicidade, aqui vão algumas linhas. As pequenas pedras do título referem-se apenas a querer referir que a especialização não traz só vantagens como, diga-se, pouco na vida (filhos?saúde?) pelo que pode haver uma certa alienação de determinadas matérias. Mas por isso, no C. E. J. ainda penso que deve haver uma parte geral que abrange o ramo civil e penal o que já teria de estar adquirido, em parte, na faculdade que também mereceria uma profunda revisão (é ver, os advogados e juízes, todos os dias, a citar filósofos de direito conceituados como Santo Agostinho). Mas essa análise não sou capaz de fazer pelo que me limito à magistratura. E, não haja ilusões, um juiz de direito criminal há cerca de três ou mais anos, em regra geral, tem medo de fazer providências cautelares e um juiz cível sempre que pode evita fazer um julgamento crime em processo sumário pelo que as desvantagens da especialização já existem. E agora o conto:
A planíce geme sob o calor do último dia de Agosto. O silêncio ecoa pelas ruas desertas enquanto as osgas procuram a sombra na cal branca das paredes. A velha azinheira da Rua do Norte suspira pela última vez deitando por terra a última folha.
João Sertório desvia o olhar para a janela ao seu lado direito.Sem expressão. Sem vida. O ruído do balançar da cadeira embalou a sua mente durante vinte e cinco anos. Só Álvares e Albertina lhe trazem o aroma da vida exterior.
Para trás e para a frente. Para a frente e para trás. Os olhos recusam-se a ver. Não querem ver a terra seca. Não querem ver a fotografia em cima da lareira onde uma mulher sorri com uma criança nos seus braços.
O vento começa a soprar e a folha é arrastada pelas ruas da aldeia. Sertório levanta vagarosamente a mão direita e afasta a cortina. A escuridão da cozinha desaparece na luz dos seus olhos. Pousa novamente a mão no braço da cadeira. Mãos brancas. De um salto, Sertório cresce. Ainda sente o movimento da cadeira nos seus ossos tendo de se apoiar na parede. A manta que lhe cobria as pernas jaz no chão.
Em frente. Devagar, muito devagar até alcançar o corredor. Espreita por cima dos olhos sobrevoando os escombros das recordações que há tanto o aprisionam.
A porta.
Bem, de seca acho que é suficiente. Se as reacções não forem muito violentas (lembrem-se que me arrogo de ser o primeiro de uma nova linhagem) pode ser que se veja o que há por detrás da porta. Bem haja a todos.

07 setembro 2005

On the rocks-I


O juiz chega então à sua primeira comarca e a partir daí irá tentar que se faça a melhor justiça possível, se perfeita tanto melhor. Ora a entrada deste juiz no tribunal coincide com a entrada deste blogue na análise de como poderia ser na minha opinião a vivência jurídica e prática dos tribunais e de alguns problemas que os vêm assolando. Para tal há que prosseguir com muita calma e sem qualquer tipo de pretensão a ter razão para além de qualquer dúvida. Irei procurar evitar a todo o custo criticar qualquer decisão política pois quando esta e a justiça flirtam só uma pode ser feliz. Tentarei por isso chegar àquilo que podem ser boas soluções para um melhor funcionamento da justiça e para isso seguirei como modelo a paciência e a persistência do senhor cuja fotografia aqui colei.
Como já referi os tribunais desde o início serão especializados pelo que os juízes já não terão de ser uma espécie de clínico geral da justiça. Ora, no terreno, como se poderá elaborar a organização judiciária? Não tenho intenção de substituir qualquer comissão de estudo mas há que eliminar a existência de alguns tribunais e proceder à mal-amada centralização. Um caso concreto: no círculo de Vila Real existem algumas comarcas de pouco serviço: Murça, Sabrosa, Mondim de Basto e mesmo Alijó. Em relação a Vila Pouca de Aguiar penso que já tem bastante serviço até por que etrá dois juízos. Aqueles primeiros tribunais seriam então extintos sendo criados juízos especializados na sede do círculo que abrangeria tal zona territorial. Vantagens? Concentração de meios humanos e pessoais, diminuição de custos de manutenção de edifícios e de custos de deslocação por exemplo de juízes de círculo ou de juízes e de magistrados do Mº. Pº. em tempo de turnos. Desvantagens: desde logo a concretização prática pois os edifícios dos tribunais comportarão tal possobilidade? Deslocação dos intervenientes processuais dos locais onde residem ou trabalham para outro local mais longe do que anteriormente; eventual necessidade de deslocação do tribunal ao local para realizar o julgamento; destino a dar aos edifícios existentes nas comarcas extintas; perda para a localidade de um edifício que é referência quanto mais não seja nas placas toponímicas.
Ou seja, mais desvantagens do que vantagens?! Bem, quanto à deslocação das pessoas (partes, testemunhas, advogados), actualmente o País está bem dotado de caminhos (ICs., IPs., A. E.) que permite deslocações rápidas. Quanto ao custo, há que sancionar a parte que dando causa à acção a perde, tendo de a pagar em termos de custas judiciais incluindo as despesas de transporte de tais pessoas. Para isso, a resposta tem de ser rápida: tais depesas não podem esperar pelo fim definitivo do processo havendo mecanismos na lei que o permitem (adiantamento de pagamento de despesas).
Quanto à deslocação do tribunal ao local, além de tal suceder a título de regra nalguns casos (acidentes de viação e julgamentos de direitos reais) não sucedendo em acções de dívida e de outra espécie, ainda assim quando os juízes de círculo se deslocam da sede para a comarca já estão sempre a receber as suas despesas de transporte pelo que diminuindo esse número de vezes já se está a alcançar um oobjectivo económico. Quanto ao destino a dar aos edifícios, o Estado certamente aranja solução para os mesmos, próprios ou arrendados: venda, cessação de contrato amigável, instalação de outras funcionalidades, etc.. Por fim, as localidades e os seus Presidentes de Câmara poderão não gostar da retirada do tribunal mas diga-se: o desenvolvimento de um município passa certamente mais pela criação de outras infra-estruturas ou meios de ensino, diversão e cultura (quantas terras ainda não têm um cinema?) do que por se mostrar um tribunal.
E por hoje, em matéria algo lateral aos juízes é quase tudo. Apenas uma nota marginal: com a especialização dos tribunais e uma melhor possibilidade de estudo das matérias e seu melhor domínio talvez se começe a evitar um pouco a existência de conflitos de competência. É que na maioria das vezes tais conflitos surgem em processos complexos em que o juiz pensa: com este processo, a minha aagneda vai ser completamente alterada, tenho expediente da mais variada espécie para despachar e não tenho qualquer tipo de ajuda. então, se a lei lhe permite a interpretação que entende correcta não hesita em se julgar incompetente. Poucos serão os casos em que o tribunal, sabendo que há duas interpretações jurídicas possíveis não adopte a que lhe permite enviar o processo para outro tribunal que por sua vez pensará de igual forma. Isto acontece muitas vezes com os chamados mega-processos, elaborados amiúde em departamentos centrais de investigação, com diversos apoios e que enviam os processos para comarcas completamente apoiadas num juiz. Isto remete para a possibilidade de criação de tribunais centrais que se tratará em on the rocks-II.

04 setembro 2005

Tribunais-II

Na fase de pré-afectação o estagiário nada mais é do que um juiz. Pode fazer qualquer diligência e as suas decisões têm o mesmo exacto valor. Daí que a única especilaidade é a de estar em estágio, ou seja, tendo um formador. O actual sistema está correcto e penso que não deve ter grandes alterações ao nível do estagiário mas deverá haver alterações ao nível da posição do formador. Não falarei de questões remuneratórias já que Portugal é todo mal pago com excepção do powers that be; mas o formador tem de ser mais responsabilizado. Vejamos: um estagiário no decurso do seu estágio comete um erro - não dá palavra para alegações a mandatário, não indica o artigo do C. P. C: correcto num despacho, erra manifestamente no crime em causa -; daqui não pode advir consquências extraprocessuais nem para o estagiário nem para o formador desde que igual erro não seja cometido. A aprendizagem também comporta a prática de erros e que atire o primeiro Código o estagiário, juiz ou advogado que nunca errou. Mas o estagiário deveria ser sempre sujeito a uma avaliação pelo Conselho Superior da Magistratura. Tratar-se-ia de uma avaliação que poderia equivaler ao ano zero das inspecções: já há inspecção mas a mesma teria, enquanto positiva, apenas como objectivo um ponto de referência como início de carreira: aquele estagiário começou de forma meritória as suas funções enquanto juiz.
Suponhamos agora que o estagiário faz julgamento em processo crime e não junta a sentença no dia que designou para leitura da mesma; ou que oralmente, no dia do julgamento, dita a sentença comprometendo-se a juntá-la por escrito e não o faz. Ou que responde aos factos controvertidos da base instrutória e deixa passar o prazo máximo de elaboração de sentença num processo de mediana complexidade. E, como estes , poderiam ser dado inúmeros exemplos de situações graves que acontecem nos tribunais mesmo com estagiários. Estes têm de ser responsabilizados por estes actos (penso que actualmente existe no espírito de alguns que não há grande consequência pois muito raros são os casos - que os há -de formadores a suscitarem inspecção extraordinária ao estagiário com a consequente e possível expulsão ou chamada de atenção). Se o formador tiver sido negligente na detecção destes casos, incumpre o seu dever e também deve responder por esse incumprimento. Por que motivo o formador não detectou - falta de diálogo com o estagiário, falta de interesse pelo seu trabalho, ocultação da situação pelo estagiário em conivência com outros? Há que deslindar tal situação. E o formador não pode, como penso que poderá acontecer, esconder-se na sua veste de formador e alegar que não é ele que incumpre e que nada tem a ver com a situação. Se o estagiário for bom e no futuro desempenhar bem a sua função, o nome do formador será sempre uma referência não só para o estagiário que já não o é mas para aqueles que sabem quem foi o formador daquele outrora estagiário. Então, para o bem e para o mal, o formador tem de assumir as suas virtudes e os seus defeitos. Por isso, num relatório de inspecção de um juiz formador, tem que se ter tomado em atenção este ponto: o ser formador com sucesso, com a formação de bons estagiários o que facilmente se vê se decorre também do trabalho do formador: se um formador «forma» sempre bons profissionais é que por que também ensinou bem; por seu turno, se há estagiários com mau desempenho, depois de já ter sido determinado se o formador violou algum dos seus deveres, tal deve ser atendido negativamente na nota de inspecção tal como deve ser atendido positivamente quando a influência do formador foi boa.
Isto é muito difícil de implementar. É que pode falar-se muito mas quando chega a hora da verdade, nem que seja por razões humanitárias, a diferença entre o bom e o mau é quase nula. E agora, que o estagiário termina o seu estágio e se vê atirado para uma comarca de interior (ou não, se por exemplo tiver frequentado um curso especial), chegou a hora de falar de juízes, puros e duros mas que procurarei que sejam alvo de um tratamento suave, ou seja, on the rocks.

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