31 dezembro 2005

2006


Neste último dia do ano vim passear com os meus amigos. Espero que 2006 seja o ano em que Deus entre no coração de cada homem e afaste os maus espíritos que nos rodeiam. Pachtmawas tah nemanau!

Conto de Natal-III





Scrootes acordou no seu quarto. Disso não podia haver dúvidas. Num sofá estava sentado um glorioso Gigante que segurava uma tocha e levantando-a bem alto iluminou a cara de Scrootes que espreitou á porta.
Entra, entra, homem! Vem conhecer-me melhor! Eu sou o Espírito do Natal Presente. Olha para mim! Nunca me viste antes?
Nunca.
Nunca andaste com os irmãos mais velhos da minha família (eu sou muito novo) nestes últimos anos?
Penso que não disse Scrootes juntando os dedos das duas mãos formando uma concha. Tens muitos irmãos?
Mais de oitocentos!
Isso é que deve ser um deficit para suportar. Espírito conduz-me para onde quiseres.
Toca no meu manto!
Scrootes assim fez e de repente estavam nas ruas de uma manhã fria de Natal.
Passaram pela casa do assessor de Scrootes e o Espírito abençoou-o com o brilho da sua tocha. Que lata! A única coisa que fazia era reproduzir os meus brilhantes pensamentos e ainda assim é a ele e casa de três assoalhadas que o Espírito abençoa.
Então surge a mulher do assessor, pobremente vestida com uma puxo de cabelo preso no alto da cabeça ajudada pela segunda filha e preparam batatas ao lume que estão prestes a estalar a pele. A tudo isto assistiam os dois filhos mais novos do assessor em gritos e louvores ao pai.
Nunca mais chega a Marta disse a mulher do assessor.
Cá estou eu!
Ainda bem que chegaste - disse a mãe pregando-lhe uma dúzia de beijos. Senta-se ao pé da lareira.
Não, não! O pai está quase a chegar. Esconde-te, Marta, esconde-te.
O assessor chegou e foi rodeado pelos filhos.
Onde está a Marta?
Não vem, disse a sua mulher.
Não vem?! No dia de Natal!
Marta apareceu de repente e saltou para os seus braços.
Isto é melhor que ouro ou uma boa diuturnidade.
E então preparam-se para comer o peru que pela primeira vez tinham na mesa. A mulher do assessor suspendeu a respiração enquanto se preparava cortar o animal. Todos os miúdos soltaram um sonoro Hurrah! Foi o melhor peru da vida deles. A seguir o pudim, a dieta que se lixe disse a mulher do assessor.
Depois do jantar, a família reuniu-se num círculo e todos se abraçando o assessor disse: Um Feliz Natal para todos nós! ao que a família respondeu Deus Abençoe todos nós!
O miúdo mais pequeno sentou-se perto do pai na sua pequena cadeira.
Scrootes levantou a cabeça ao ouvir o seu nome.
Se o Scrootes estivesse aqui eu mostrava-lhe o que era bom. Nunca vi um homem tão odioso, sem sentimentos como ele. Tu sabes que ele é assim, melhor que ninguém!
Querida , hoje é Natal!
E depois deste mau momento passar voltaram a ficar alegres, ainda mais alegres do que antes! Era uma família pobre, mal vestida. Mas eram unidos, felizes e contentes com os tempos que viviam. Scrootes não os largou de vista especialmente ao mais pequenino da família
Foi com surpresa que Scrootes ouviu um riso E mais surpresa teve quando viu que era o seu sobrinho agora que estão numa sala brilhante com o Espírito a olhar para o mesmo sobrinho. Quando este sorriu, Scrootes também sorriu por simpatia.
Ele disse que o Natal era uma tolice!
Ele que tenha vergonha disse a sobrinha de Scrootes. Era bonita com uma boca que parecia ter nascido para ser beijada. Tinha uns olhos radiosos
Ele é um cómico snob. Apesar de tudo, nada tenho contra ele.
E comeram e depois de comerem beberam chá e depois ouviram música. Mas nem só de música se tratou á noite. Jogaram à cabra-cega tendo-se todos divertido muito.
Ora cá está um novo jogo. Já só falta meia hora!
Era um jogo chamado Sim ou Não onde o sobrinho de Scrootes tinha de pensar em alguma coisa e os restantes tinham de adivinhar o que se tratava só respondendo o sobrinho Sim ou Não.
As respostas conduziram às afirmações de que era um animal, um animal desagradável, um animal selvagem, um animal que mentia descaradamente, que não dialogava, que vivia em Lisboa mas passava férias sempre no estrangeiro, que nunca se misturava com o povo, que achava só ele tinha razão, que não ouvia ninguém, que nunca seria morto num talho, não era um cavalo ou um burro, um cavalo ou um touro, um tigre ou um cão, um porco ou um gato ou um urso. De repente a irmã gritou:
Já sei quem é. É o teu tio Scrootes.
Certíssimo!
Scrootes que até estava a divertir-se com a cena perdeu o fôlego. Voltaram a viajar, ele e o Espírito. Todas as casas que viram, com pessoas doentes na cama, ou países estrangeiros, pobres ou ricos, hospitais ou cadeias, todos eram felizes. De repente, num espaço aberto, o relógio bateu as dozes horas.
Scrootes olhou para o Espírito e já não o viu. Lembrou-se do aviso do Ministro e levantando os olhos viu um solene Fantasma avançando na sua direcção como uma neblina em sua direcção. Já não estou na Suíça, pensou Scrootes. Deve ser o último Espírito.

28 dezembro 2005

Conto de Natal-II




A luz irrompeu no quarto e as cortinas da cama foram afastadas por uma estranha figura. Parecida com uma criança mas no entanto mais parecida com um velho. O cabelo era branco mas a cara não tinha uma única ruga. O seu vestido estava cheio de flores de Verão. Mas o mais estranho era que da coroa que pendia da sua cabeça saía um raio de luz que tornava tudo visível.
É tu o Espírito cuja vinda foi anunciada?
Sou!
Quem e o que és tu?
Sou o Espírito do Natal Passado.
Passado muito passado?
Não. O teu passado. O que vais ver são sombras das coisas que foram e ninguém nos pode ver. Levanta-te e vem comigo!
Ah, a cama está tão quentinha e ainda não acabei de ler este interessante livro.
Vendo que o Espírito não aceitava as suas súplicas, Scrootes atirou: Sou mortal, apesar de ter maioria absoluta e o posso ser demitido!
Mas não adiantou. Passaram pela parede e pararam no buliço da cidade. Pelo aspecto das montras via-se que era Natal.
O Espírito pára na porta de um gabinete de engenharia e pergunta a Scrootes se conhece.
Se conheço? Eu fui aqui estagiário!
No cimo de um estirador via-se a cabeça de Fernandes. Scrootes gritou de excitação:
É o Fernandes. Deus o abençoe, está de novo vivo.
Fernandes pousou a caneta de tinta-da-china e disse: Ei, José, António!
A figura de um jovem Scrootes, de cabelo preto e comprido surgiu ao lado de um outro estagiário.
Meu Deus, o António, tão magrinho e tão novo!
Ei, rapazes, hoje não se trabalha mais! É véspera de Natal, vamos a arrumar isto tudo.
E de repente veio um violinista com a pauta da música, e veio a Srª. Fernandes com um riso na cara, e vieram as adoráveis três filhas do Fernandes. E vieram seis apaixonados que as meninas Fernandes despedaçaram. E vieram todos os homens e mulheres que trabalhavam no gabinete. E veio a empregada de limpeza com o seu primo padeiro. E vieram todos, uns alegres, outros tímidos e dançaram, dançaram e dançaram. E comeram e beberam chocolate e cerveja. Quando tocaram as onze horas todos pararam, O Sr. e a Sra. Fernandes colocaram ao lado da porta e cumprimentando todos os que saíam a todos desejavam um Feliz Natal o que também fizeram aos dois estagiários.
Vês, para manter alegre este povo só se gastaram alguns cêntimos. Tens mesmo de ser tão forreta com aqueles que votaram em ti?
Não é isso. O povo é maravilhoso. Quando se juntam em alegria e chamam pelo nosso nome sentimos um calor e uma vida que nos torna enormes e nos dá uma alegria tão grande como se tivéssemos uma fortuna.
Quem fala é o antigo Scrootes e não o actual.
O Meu tempo está a esgotar-se. Depressa!
De novo Scrootes se vê. Mais velho. Está sentado ao pé de uma rapariga vestida preto que tem lágrimas nos olhos.
Pouco te importa, Scrootes. Eu sei. Hoje para mim caiu um ídolo. E se te pode servir de consolo, não tenho nenhuma causa que justifique o desgosto. Sabes, tu temes demasiado o povo. Vi todas as tuas mais nobres aspirações caírem uma por uma até que a aspiração máxima te envolva na totalidade: Poder Absoluto.
E depois? Se estou mais esperto, qual o problema? Não te fiz qualquer mal.
Em palavras não. Mas mudaste. Já não és livre. A tua ambição assusta-me. Que certeza posso ter que não ter arrependerás de escolher uma rapariga como eu? Que não te acompanhe nesse desejo de seres o único a ter razão e de pensar que todos andam neste País a sugarem o que te pertence? Eu liberto-te Scrootes, pelo amor daquilo que foste um dia.
Tira-me daqui Espírito.
Isto é o que tu eras. Não me culpes.
Tira-me daqui, já disse.Não aguento mais. Quero ler aquele maravilhoso livro sobre juízes. Não me atormentes mais.
Scrootes acorda no seu quarto. Mal teve tempo de se arrastar para a cama antes de se afundar num sono pesado. A seu lado, a missiva do ministro das finanças a propor 1% de aumento.
Agora posso descansar pensou Scrootes.

23 dezembro 2005

Natal


A Todos, a minha Santa oração de um Natal imensamente Feliz com o espírito quente e com a alegria dos nossos filhos e amados a aquecer o coração de todo o Mundo.
O moicano segue o seu caminho já que por estas bandas não há Natal. Vou até à tenda beber uma infusão de ervas.

Conto de Natal-I



O ministro tinha morrido. Disso não podia haver dúvidas. O conservador registou o óbito e até ele, o primeiro ministro Scrootes assinou por baixo.
A porta do gabinete de Scrootes estava aberta podendo sempre ter um olho alerta no seu assessor que copiava despachos num canto afastado do radiador.
Feliz Natal tio! E que Deus te acompanhe! Gritou a voz alegre. Era o sobrinho de Scrootes.
Bah, tolices, rosnou Scrootes. O Natal só traz chatices e trabalho. É tempo de pagar contas, fazer balanços e isto quando estamos um ano mais velhos e nem um cêntimo mais ricos. Se pudesse, todos os que desejam Feliz Natal, punha-os a ferver nos seus queridos pudins e enterrava-os com um pau santo no coração.
Tio!
Deixa-me em paz.
Mas o Natal só traz coisas boas. O menino nasceu, as pessoas pelo menos uma vez no ano tornam-se boas, existe alegria e fraternidade no ar. Para mim, o Natal é algo de muito bom,
O assessor bate palmas.
Tu está quietinho senão vais para o olho da rua – gritou Scrootes -. Saíste-me um grande orador. Deves queres um lugar no Parlamento não é?
Não. Olhe, tio, já sabe, contamos, eu e a minha mulher, consigo para jantar lá em casa esta noite.
O sobrinho de Scrootes vai-se embora e o assessor aproveita para se levantar.
Acho que está na hora de ir para casa.
Sim, vai, aproveita que enquanto não trabalhas eu estou a pagar-te. Mas quero-te aqui amanhã bem cedinho. Temos muitos despachos para publicar.
O assessor desaparece na rua deserta correndo em direcção a casa. Nessa noite, Scrootes jantou sozinho no restaurante habitual. Depois, foi para casa e começou a ler os livros sobre a reforma dos vencimentos dos juízes. Há-de haver maneira de trabalharem mais recebendo menos e isso não ser inconstitucional.
E sem que nada o avisasse, aí estava ele, o ministro a olhar para ele. Não era uma figura assustadora ou aterradora. Era simplesmente ele, o ministro a olhar como costumava fazer, através dos mesmos óculos agora fantasmagóricos. Entrou e dizendo «Pooh» fechou a porta com grande estrondo e subiu pelas escadas. Scrootes seguiu-o não se importando com a escuridão da casa (escuro é barato). Correu todos os cantos e mobílias e nada viu. Voltou para a cama e de repente aí estava ele de novo.
Que queres de mim?
Ouve bem, estou aqui para te avisar que vais ter uma hipótese de escapar ao meu destino, em vida ou morte. Em vida nunca tive o meu ministério e na morte sou infeliz.
Sempre foste um bom amigo. Obrigadinho.
Vais receber a visita de três espíritos!
É essa a chance que me dás? Não quero, obrigado.
Amanhã à noite, quando o relógio bater a uma, o primeiro Espírito aparece. Na noite a seguir, à mesma hora, o segundo e na noite seguinte o terceiro quando a última badalada das doze se sentir. Pode ser que percebas o que se passou entre nós.
O espírito desaparece pela janela. Scrootes corre para a fechar mas está duplamente fechada. AH!, parvoíces. Espíritos são como a oposição, não existem. E dito isto, deita-se na cama ainda vestido (impecavelmente diga-se) e adormece de imediato.
Quando Scroote acordou, estava tão escuro que olhando da cama mal distinguia a janela da parede até que de repente o relógio da igreja, tristemente, melancolicamente, tocou a Uma Hora.

22 dezembro 2005

Belle-fim.


A mãe estende-lhe a gravata. Belle aceita-a e levanta a cabeça do pai. Desdobra os colarinhos e passa o tecido às riscas pelo seu interior. Cuidadosamente pousa a nuca e junta as duas pontas até se unirem para sempre num nó. Belle olha para o pai. Fato escuro e camisa branca. Cabelo penteado para trás.
Estás pronto.
A cera das velas escorre na prata. As pessoas sucedem-se em cumprimentos e beijos.
Tenha paciência. Está melhor assim. É a vida.
Fugir daqui. Quero sair desta capela envolta em fumo e náusea de flores.
As portas abrem-se de par em par. A luz do sol ilumina a cara dos querubins. As pessoas começam a sair.
Sem saber como beijo a cara fria de meu pai.
O caixão desce apoiado numas cordas qual vela que se recolhe no fim da viagem. Enquanto os torrões caem no verniz, Belle afasta-se. Simone espera-a no carro onde também está seu o Jorge.
Mãe e filha despedem-se. Silêncio. O vento revolta o cabelo de Belle.
Adeus.
Café. Belle, Simone e Jorge comem calados. Jorge ousa interromper o silêncio.
Outro dia falaram de ti na televisão. Por causa daquele caso do puto e do inspector morto. Não vai ser fácil.
Belle acena ligeiramente a cabeça.
Pois não. Mas por que é que Simone não olha para mim?
No apartamento, Simone conta-lhe. Conheceu uma pessoa em Madrid. Pinta, escreve poesia. Um artista.
Sabes, tu sabes, é daquelas vezes em que sentimos que temos de agarrar a vida.
Belle compreende. As viagens, as últimas e constantes intromissões da imprensa.
Quanto tempo pensa que vai demorar o julgamento? É casada? Tem filhos?
Nunca disse nada. Viu a sua fotografia a entrar no tribunal, a sair do carro, a sair do prédio, a entrar no supermercado, a mostrarem a casa dos pais, a contar o acidente do Pedro.
Simone abre a porta e olha para trás. Belle está de costas.
Olha para mim, por favor. Jura que ficas bem.
Belle volta a cabeça e sorri ligeiramente. Não te preocupes.
O bólide amarelo desaparece na avenida enquanto Belle se atira para o sofá. A seu lado um dos muitos papéis que a acompanham. Pega na capa e retoma a leitura.
«O inspector João terá entrado em perseguição do António Chaves, também conhecido por Rogério e ao virar numa rua foi atingido por um soco desferido por aquele. Momentos depois o inspector João terá ligado o gravador que trazia consigo e é possível ouvir António Chaves a falar na sua mulher que trata por juizinha e no seu filho. Fala também e dia que o caminho dele é outro. Instigado pelo inspector João ainda se refere a um motorista que se veio a apurar ser o agente Xavier que está preso preventivamente por ordem do juiz de instrução do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. Consegue-se ouvir na gravação o disparo que atingiu mortalmente o inspector João.
António Chaves foi detido em 17/12/2003 e aguarda a realização de julgamento em situação de prisão preventiva também por decisão do TIC de Lisboa.
Caso a Excelentíssima Sr.ª. Coordenadora concorde pensa esta brigada que o processo está pronto para ser enviado ao Mº. Pº. para que seja proferida acusação em relação aos crimes de abuso sexual de menores, homicídio de Paulo e inspecior João
.».
Depois disto houve acusação, instrução, recursos e hoje, 17 de Dezembro de 2005, falta menos de um mês para o inferno começar. Para mim e para eles.
Belle olha agora pela janela a chegada dos presos. Os flashes das máquinas sucedem-se. Os repórteres atropelam-se para conseguirem entrevistar as estrelas. Os miúdos já estão no tribunal desde ontem. Fora da vista. Sem vida própria.
Estás preparada?
Sim.
Sabes que se vão lançar com toda a força à tua vida privada. Além de continuarem a dizer que como conheces a mulher do António Xavier não és imparcial apesar de o Supremo já ter indeferido esse pedido de recusa. Estás preparada?.
Sim. Sim, Pedro. Não te preocupes. Hei de safar-me.
A porta abre-se. Numa fracção de segundo não consegue evitar lembrar-se de seu pai deitado na capela. Entra na sala. A sala está vazia e duas tribunas laterais vestidas de preto levantam-se.
Bom dia, senhores doutores. Podem sentar-se.

16 dezembro 2005

9 mm



22.53 horas. O Renault encontra-se parado em frente ao condomínio fechado. O Verão começa a fraquejar e à noite sente-se um fresco que passa pela camisa. João fecha quase na totalidade o vidro. Abre a garrafa térmica e verte o café para o interior da chávena que serve de tampa. Ele tem de sair. Os miúdos deram-lhe a certeza que hoje, o homem conhecido por Rogério ia tentar sair do país. No fim da rua há um bar. Consegue ver um casal a discutir. Ela, de cabelo comprido, atira-lhe com um dedo em riste mesmo junto aos olhos enquanto o rapaz desvia a cara para o lado. É sempre assim. Daqui a pouco estão aos beijos. É sempre assim, Pelo menos com os outros. João não consegue evitar um lampejo de Ana, sua ex-mulher, a sair de casa a dizer que não aguentava mais noites com a cama vazia e telefonemas a interromper refeições. Não aguentava o medo de poder ficar sozinha. Adeus, João.
O casal segue abraçado pela rua e ao passarem pelo carro olham distraidamente. João levanta a chávena em jeito de brinde. A miúda sorri a agarra-se ao braço do namorado.
FUBAR, diziam naquele filme do Spielberg. Enrosca a chávena na garrafa térmica. Aquela juíza também não está melhor. Pensa nos olhos instantaneamente alagados quando lhe disseram que suspeitavam que o marido estava envolvido na rede de pedofilia. E recorda-se da dor da garganta nem visível quando lhe perguntaram por que o marido tinha saído de casa.
Corre Elsa. Corre que o teu filho vai contigo. Eu não com quem correr. Só esta merda de noites. É, e depois alguém os absolve, Os heróis. As verdadeiras vítimas.
É ele. João contacta a esquadra.
Chefe, acho que apanhamos o homem. É para o seguir?
Sim. Vá para onde ele for. Já temos os mandados.
A perseguição inicia-se. As longas avenidas da capital permitem que o Renault siga despercebido o Mercedes conduzido pelo homem a quem chama Rogério. Dirige-se para o aeroporto. Vira repentinamente numa saída da circular. Passam por prédios altos e descampados. O Mercedes pára junto a um café. João encosta o Renault junto a um muro, duzentos metros atrás. O homem sai do café a correr e entra de rompante no carro e arranca a toda velocidade. João faz soar o turbo e parte no seu encalço. Em velocidade acima da lei, percorrem muitas ruas e avenidas até que num cruzamento o Mercedes abalroa um outro carro que tinha atravessado ao virar da luz verde. O homem sai do Mercedes e começa a correr pela rua. João não consegue fazer passar o Renault pelo emaranhado de carros que de imediato se formou junto do choque e saindo a correr persegue aquele que foi marido de Elsa enquanto chama por reforços pelo comunicador. Os tacões ecoam pelas ruas quase desertas. O peito adiantado enquanto a cabeça está ligeiramente para trás. João corre atrás do homem que vira numa rua tendo de se agarrar á parede para não cair, perdendo uma fracção de segundo que João aproveita. Enquanto corre e vira nessa rua, saca a arma do coldre. Vira de novo noutra rua e sente uma pancada na cara. Cai violentamente de costas. Um esgar de dor distorce-lhe as feições. Quando consegue apoiar-se num braço tem um cano de uma 9mm apontada aos olhos.
Então, herói! Pensavas que me apanhavas, não era meu filho da puta, diz o homem enquanto o pontapeia no estômago. João com o impacto é atirado para trás e fica de joelhos a deitar sangue pela boca.
Reza, reza que vais enfrentar o teu juiz. Devias ter desistido nos primeiros sinais. Não percebes, meu burro de merda? Não percebeste que alguém nos estava a avisar? E por que insististe? Ah! Querias limpar a escumalha. Limpa isto, limpa. O homem mete-lhe o cano da arma na boca.
João respira fundo e lentamente afasta a boca do cano até ele sair enquanto o homem sorri.
Quem é?
O sorriso transforma-se em espanto e depois numa gargalhada.
O rapaz quer saber quem o trai! Claro, digo-te já. Um murro atira o corpo de João para o chão que fica deitado de costas. A dor é insuportável mas acho que não se partiu. O homem aproxima-se. Para despedida, só te digo que nunca se deve confiar no motorista.
Xavier murmura João.
O homem aponta o cano para a cabeça de João enquanto se ouvem as sirenes dos reforços.
E o teu filho? Não o queres ver ou talvez o queiras dar aos teus amigos?
O homem detém o braço. Olha para o lado sempre com a arma apontada à cabeça de João. Boa tentativa, Sr. Inspector. Mas isso faz parte da minha outra vida. Esse não sou eu. Ele que fique com a juizinha que está bem. Adeus.
A bala atravessa o crânio de João que morre de imediato. Os carros policiais estão cada vez mais perto. O homem corre por uma rua estreita e entra noutro carro onde está um homem com as mãos fortemente agarradas ao volante. O carro abandona o local poucos segundos antes dos azuis chegarem.

Belle está na cama a beber chocolate quente. Na televisão passa a história do agente da P. J. que morreu na perseguição a um suposto pedófilo ligado à morte do Paulo. A jornalista interroga o Director que nada diz enquanto entra no edifício.
Isto está bonito, pensa Belle. Se a Simone estivesse aqui desligava a televisão e punha a sua música preferida. Bolero. Interminável sedução.
O director de cara cerrada está junto do corpo de João. O médico mostra-lhe o gravador. Intacto.

13 dezembro 2005

O moicano errou.


Aaahhh! falhei na minha história da Belle. À maneira de juiz, onde se lê no Shall we dance «Simone» leia-se Elsa. É, fiquei fascinado com a Simone (pudera, a Sharon Stone sempre me agradou muito e naquela imagem do Instinto fatal 2 ainda em rodagem perturbou-me). Assim, a Belle pergunta pela Elsa ao que o colega Jorge lhe diz que não sabe dela. E foi com Elsa que o inspector João foi ter.
Mil perdões.
Agradeço muito as simpáticas palavras de Jbl e Kamikaze. Em relação a Kamikaze, tem toda a razão. Perco-me em conversa que pouco interessa e no que interessa sai misturado. Vou ter em atenção. Bem hajam.
Em próximo post, brevemente: conto de natal. Antes, talvez Belle e ouço uma cotovia a cantar ao longe a puxar para falar sobre coisas de direito. Logo hoje, depois de ter dito num blogue alheio que as decisões dos juízes são maioritariamente confirmadas, vi uma sentença minha revogada. Parcialmente. E num dia em que descobri alguns erros processuais por mim cometidos. Sorrow.

12 dezembro 2005

Shall we dance?


E agora?
João suspira. Sei lá. Olha para Xavier. Foi por pouco. Quase que lhes sinto o cheiro. A noite rodeia-os. Vamos dar umas voltas.
Percorrem ruas, estradas e acabam num café. Bebem um café duplo e comem umas sandes de presunto. Entram de novo no carro e embrenham pela serra. Xavier começa a mexer-se enquanto conduz.
Pá, preciso de esvaziar. Vou parar.
Pára o Renault na berma e sai em direcção aos arbusto. João aproveita para apanhar ar e ver a lua. O bafo frio sai-lhe da boca. Xavier aperta a braguilha e volta-se em direcção ao carro. Vamos?
João abana com a cabeça repetidamente. Abre a porta e ouve-se um estalido.
O que foi isto? Ouviste?
Xavier encolhe os ombros e aponta o ouvido esquerdo na direcção do exterior como se pudesse sintonizar o ruído.
Não. Não deve ser nada.
Um gemido.
Porra, está aqui alguém! Saca da pistola e aponta em direcção ao arvoredo.
Vira os faróis para aqui! Vamos!
Xavier faz avançar o carro alguns metros virando os faróis para o interior da floresta.
Uma mão agita-se no ar.
Quieto aí! Polícia Judiciária! Um movimento e disparo!
A mão cai.
Com Xavier atrás João avança devagar apontando a arma em direcção ao local onde viu a mão. Há manchas de sangue nas folhas.
Paulo confunde-se com a terra. João guarda a arma e ajoelha-se junto dele.
Meu Deus! Que te fizeram, miúdo?
Xavier corre em direcção ao carro e agarra no comunicador.
Batem á porta.
Então, já tens tudo arrumado?
Faltam umas capas, Jorge. De resto, já está tudo encaixotado.
Vais ter saudades nossas?
Belle olha para o colega e diz que sim com a cabeça. Detesta despedidas e está quase a chorar.
Vou despedir-me da Simone. Vens?
Ah, a Simone não está.
Não? Mas está tudo bem? Não há nada com o bebé?
Não, não. É qualquer coisa com o marido.
Ele voltou?
Jorge pára a caminhada.
Não. Nunca mais o viram. Mas há qualquer problema com ele.
Que tipo de problema? Bolas, pá, que mistério esse?
A P. J. esteve aí outro dia e um inspector falou com ela.
Sim, eu vi-os a chegar pela janela.
Não sei de mais nada. A Simone não falou e não tive coragem de lhe perguntar. Tu…
Não, nada. Não me disse nada. Também não tenho estado muito com a Simone, sabes, a mudança e isso tudo… . Que coisa. Belle olha agora para o espelho do elevador. O mesmo através do qual João observava disfarçadamente Simone e pensava que ela não sabia de nada.


O primeiro moicano desliga a música e esfrega os olhos.
Preciso de ir à tenda do Ninho Com Divã. Tenho de desabafar.
Um quadro na parede com uns moicanos junto de umas árvores e um rio.
Quero encontrar-me. Pode ajudar-me.
Hum, hum. Deite-se.
Então, é assim. Sinto que me estou a conduzir para um beco. Não sei quem sou. Se um moicano que assume que quer ser diferente ou alguém que finge que não quer ser o que deseja. Percebe?
Hum, hum.
Fiz o blogue para expressar as minhas ideias e por vezes dou por mim a escrever em blogues alheios comentários de que ninguém gosta. E depois levo respostas que não estava à espera. Às vezes basta não chamar pelo nome da bloguer para levar nas orelhas. E dizem que eu acho que o mundo gira à minha volta!? Caramba, o meu blogue nem cinco mil visitas tem, contando com as vinte vezes diárias que vou lá para o número não ser ridículo. Começo ter a mania da perseguição. Será que aquela do bar do C. E. J. era para mim? E sou «o outro que se lixe»? Estou a ficar louco! Que devo fazer? Tirar este disfarce e mostrar o meu peito ou ignorar e seguir o meu caminho?
Hu…
E não diga Hum hum outra vez!
Certo. Olhe, o tempo está a acabar. Dance.
????
Sim. Dance. Solte essa energia. E vista outra roupa.
O primeiro moicano sai confuso. Enquanto caminhava em direcção à praia artificial da reserva, com nova roupa – camisa branca, fato e gravata -, um senhor de barba bate-lhe com a mão no ombro.
Viva.
O primeiro moicano vira-se. Ah, eu conheço-o. É aquele do filme, o
Zorba. Ouvi dizer que tem alguns problemas. Talvez queira falar.
Falar? Não, obrigado. Já desabafei com Ninho Com Divã.
Muito bem. Zorba olha para a praia e as tendas ao longe.
Vocês vão e vêm a pé? Isto é muito longe. Tenho uma ideia. Construía-se um teleférico e podiam ir sentados a viam as vistas. Que me diz?
Ah, sabe, acho que isso não ia resultar. Já agora, ainda dança?
Se danço? Estava a ver que não perguntava. D. J. música, por favor.
Zorba e o moicano dão os braços e começam a dançar. Primeiro devagar e depois em passo acelerado.
No fim, abraçam-se e após Zorba desaparecer no horizonte o primeiro moicano segue o seu caminho.

08 dezembro 2005

Belle VII/2


O Renault pára no semáforo vermelho. Pelo vidro, João vê um cego a tocar um órgão. Abre o vidro. Besame mucho. Como se fosse a última vez João agarra-a pela cintura e rodopia-nos braços. Pousa-a no móvel de apoio da cozinha e beija-a.
Verde. Pelo vidro embaciado da respiração, João observa a cidade. Uma mãe penteia uma criança. Um pai caminha apressado com um filho a ser arrastado na corrida para o autocarro. Uma aluna deixa cair um livro, um polícia manda parar um veículo, um político distribui panfletos. Olha para ti João, reflectido do lado de cá da vida. Segues ao lado do condutor à espera que algum sopro de justiça te anime. Por vezes apetece-te desistir.
Chefe, parece que falaram.
João liga para o Director.
Sim, os putos falaram. É numa casa para os lados de Sintra. Passa para o Xavier. Eu indico o caminho. Vocês vão à frente. Já avisamos o pessoal de Sintra.
Tira a camisola. Vá, não estejas nervoso, Já sabias que era para isto que vinhas, não sabias? Vais ver que é bom. Sim, muito bem. Agora põe-te de joelhos.
Um telemóvel toca.
Não pode ser! Vou já!
João e os policiais rebentam com a porta. De imediato sobem as escadas a correr e no cimo param junto de cada porta apontando a pistola que empunham para o seu interior.
Percorrem o corredor. João segue atrás. Sem arma. Não vale a pena. Já se foram. Ainda sente a mistura de whisky e sexo. Um agente distraidamente pisa um comando que se encontra numa carpete. De uma aparelhagem sai aos gritos uma canção que assusta todos os agentes.
Reach out touch me!
Foda-se. Alguém deu com a língua nos dentes.
Belle acaba de saber que foi colocada numa vara criminal em Lisboa. Uma colega telefonou-lhe e disse-lhe que mesmo com reclamações ela não deve ser afectada.
Desliga o telefone.
Bem, tenho de ligar para a Simone e dar-lhe a notícia. Pode ser que ela fique contente. E me diga se eu o estou. Olha para o monte. Estes já não são os meus processos. E não deixam saudades. Levanta-se e olha pela janela. Lá em baixo, um carro pára em frente à porta.
A P. J.. Que será que querem daqui?

Alô!? Ah!, moicano, não estás!? Bem, contrato é contrato. Dos fracos não reza a história. Mentira! O Benfica ganhou. O Governo negoceia com a Auto Europa para evitar a debandada que os trabalhadores não tiveram medo de enfrentar. Um trabalhador com Sida foi reintegrado. Um defensor oficioso não faz acordo com o advogado da parte contrária, seu antigo patrono. Um juiz diz não à homenagem de despedida preferindo ir ao teatro com a mulher e netos ver O príncipe feliz. É, fracos são os que mostram força na multidão amiga. Mais vale rezarem por eles. A propósito. Charlton Heston tem alzheimer. Já não se deve lembrar. Mas eu lembro-me de Tim Roth dizer que o odiava por que ele era o presidente da NRA e que o desprezava. Se por acaso esse jovem tiver tempo que veja a foto do homem com Sidney Poitier e Harry Belafonte em 1963 na Marcha pelos Direitos Humanos. Com caneta na mão para assinar. A história não mente. Bigger than life.

03 dezembro 2005

Belle-VII


O sol invade o gabinete. Belle despacha o expediente. «Fique nos autos – artigo 315º, do C.P.P._». «Considera-se justificada a falta – artigo 117º, do C.P.P -.». «Por estar em tempo, ter legitimidade, encontrar-se devidamente patrocinado e estar isento do pagamento de taxa de justiça, admite-se a intervenção do requerente como assistente». As folhas vão-se sucedendo.
O telefone toca.
Belle, por favor, vem depressa.
Belle entra a correr no gabinete de Elsa.
É agora. Vens comigo?
Claro. Vamos. Para onde?
Enquanto Belle conduz nervosa até à Ordem, Elsa vai fazendo alguns esgares de dor e soprando. Param num semáforo e Belle olha-a por alguns segundos. Parece doer. Elsa olha em resposta.
Isto não é nada, Belle. O pior ainda aí está para vir. Não sei se aguento.
Entram na Ordem não sem que antes Belle tenha de explicar ao porteiro que se trata de uma emergência e sem que tenha ouvido que tem de tirar o carro o mais depressa possível do parque por que não há espaço para as ambulâncias.
Elsa está deitada na cama com uma túnica de cor amarelada. Belle não resiste.
Ouve, sei que não é assunto meu mas já aviaste o teu marido?
Elsa olha para a janela. Nós já não estamos juntos. Separámo-nos há três meses. Não te quis dizer nada por que… . Não acaba a frase sufocada por um soluço. A máquina anuncia uma nova contracção.
Mas, ainda assim, ele é o pai, de certeza que quer estar aqui. O Marco nunca…
Não sei onde está. Disse-me que se tinha perdido e que estava a encontrar o seu caminho e que só o podia fazer sozinho. Eu…
O sensor da máquina traça um rico alto no papel. Elsa cerra os dentes.
Belle sente-se perdida. A amiga está sozinha, prestes a dar à luz. Que faço eu aqui? Que osso fazer?
O médico entra no quarto.
Viva. Como estamos diz enquanto se senta ao pé de Elsa e levanta o lençol.
Podíamos estar melhor, Doutor. Isto dói como o caraças! Acha que é para já?
O médico sorri. Sempre quer fazer com epidural?
Sim! Sim!
O.K.. Eu telefono ao anestesista e em cinco minutos ele vem. Sabe, ele vive aqui perto.
Quero lá saber, o gajo que se apresse, pensa Elsa.
O médico levanta-se. Desculpe, não a cumprimentei. Sou Vítor. O médico.
Muito prazer. Belle. A amiga.
Doutor?
Sim?
Podia chegar aqui? Vítor aproxima-se de Elsa que lhe diz algo ao ouvido que a ouve enquanto olha para Belle. Abana com a cabeça e diz a Elsa que vai tratar disso.
Sala de partos. Elsa está de costas enquanto o anestesista, sempre a falar num tom baixo, explica pormenorizadamente o que está a fazer. Uma enfermeira olha atentamente para a injecção. Passa com uma pinça nas pernas. Sente?
Não.
A seu lado, sentada, Belle. Elsa pediu que ela pudesse assistir e excepcionalmente, foi permitido. Quase sem se aperceber, colocaram-lhe uma touca, uma bata e umas calças que parecem papel e umas coberturas para os pés. O coração bate-lhe apressadamente. Não conseguiu dizer não quando Elsa a agarrou por um braço e lhe pediu que assistisse ao parto; quando lhe disse que não tinha ninguém com ela e que não queria estar sozinha. E menos força teve para dizer não quando o médico, Vítor, lhe disse que pouco ia ver.
Foi rápido. A amiga não sentiu dores e médico não mentiu. Só viu o bebé a ser mostrado à mãe a ser levado para o lado onde lhe meteram uns tubos que não quis ver.
Estás bem?
Sim. Obrigado.
Belle está em casa. Atira-se para o sofá. Está extenuada. Foi com lágrimas que deixou a amiga no quarto. Acabou por aparecer um irmão dela que ficou a fazer alguma companhia. Liga a televisão.
O Sr. Director não quer responder às nossas perguntas? Confirma-se que se trata de um membro do Governo o principal suspeito da morte do Paulo?
O homem de fato nada diz. Atrás de si, o inspector João que se enfia no mesmo carro que o seu chefe.

Ora muito bem. Esta tenda está quase sempre vazia. Cá vou eu na minha deambulação à la Cin Ique. Outro dia estive com o António. Era jurado num julgamento. Pá, foi curte. O fulano explicou-me o que se tinha passado e o que as testemunhas tinham dito. E, eu, que até percebo de justiça, disse-lhe que a gaja estava condenada. Tinha que ser. O que iam dizer se fosse absolvida? Soube que o António fez uma reunião lá em casa com pessoas que conhecia e familiares para lhes pedir o que achavam que devia decidir. A malta não dorme. A tipa foi mesmo condenada.

01 dezembro 2005

Belle-VI


O inspector sai do corredor frio em direcção à brisa do fim de tarde. Atravessa a porta e no passeio estende um braço para se apoiar no muro e atirando a cabeça para a frente vomita. Levanta a cabeça e com o lenço que tira do blusão limpa a boca. Ia guardá-lo de novo mas o cheiro incomoda-o e atira-o para cima do nojo. As pessoas passam por si e desviam-se. É, pensa João, nada como a morte para encurtar a distância de quem amamos. Começam a cair grossos pingos de água e o inspector apressa o passo em direcção à sede.
Belle levanta-se de um salto e corre em direcção à banheira abrindo a torneira de água quente. Mal consegue abrir os olhos. Esteve a trabalhar até às 03.00 horas numa sentença de homicídio negligente com pedido de indemnização civil. Enquanto a água escorre pelas suas costas pensa que nada irá compensar a perda daquele filho. Agora, que limpa o espelho embaciado que mal reflecte a toalha que tem no cabelo, à sua frente um camião segue pelo nevoeiro. O motorista é experimentado mas já conduz há seis horas seguidas. Vai bebendo o café do termos mas tem de chegar a tempo de descarregar no hipermercado. Procura colocar o copo no assento sem derramar os restos do café e desvia o olhar da estrada por breves segundos. Quando olha em frente depara-se com uma casa e um passeio onde está um menino com uma mochila às costas. Trava a fundo e guina o volante para a sua esquerda. O miúdo põe a mão à frente dos olhos quando a luz dos faróis incide sobre si.O camião galga o passeio e embate contra o corpo franzino da criança que é projectado pelo ar e cai em cima de um portão com grades. O tronco fica espetado numa dessas grades enquanto o camião tomba e acaba por parar de encontro a uma outra casa. O motorista sofreu apenas arranhões na testa.
Sem pestanejar, Belle explica ao motorista a pena. A família da vítima ouve a sentença sentada nos lugares do público. Silêncio. Frio. Belle já decidiu enquanto toma um café na máquina do tribunal. Este ano vai concorrer a uma vara criminal. Se é para sofrer com estas sentenças, ao menos que o seja em grande. E a ganhar melhor. Perto da amiga Simone. Ou pelo menos mais perto. Atira o copo de plástico para o lixo e bate à porta da colega Elsa. Está grávida de sete meses e a barriga já lhe pesa. Dentro de dias vai meter baixa e Belle vai acumular com o seu juízo.
Olá! Como está o teu herói?

Foi um pequeno excerto da vida de Belle que a inspiração já conheceu melhores dias. Um dia estarei perto de escrever o que gostaria. Mas, ah, sim? O que deseja?
Boa tarde. Eu estou à procura do primeiro moicano.
É o próprio. Quem é o senhor?
O meu nome é Cin Ique. E gostaria de poder escrever no seu blogue.
Bem, realmente ando um pouco sem inspiração. Mas já tenho amigos de estimação suficientes, percebe? Não me vai arranjar problemas?
Nem pensar. Serão pequenos apontamentos que saem directamente da minha inspiração e que tornarão a sua tenda mais conhecida.
Bem, realmente preciso de mais hits ou visitas.
Está bem. Mas comentários curtos, certo. E pode começar já.
O. K. Não se arrependerá.
Hoje irei falar do nada ter para dizer. No início era o verbo. Depois veio o sujeito. A seguir a palavra e depois a frase. Muitas vezes falamos e nada dizemos. OH! Falar sem nada querer significar! Dizer o que não se fala e se cala! Calar o que se diz! É preciso sentir a fala. Sem palavra o mundo estaria calado. Sem falar não existiria a palavra amar ou idealizar nem gritar (Sónia!). Quando não há nada para dizer, diz-se a palavra e o verbo nasce de novo.

Web Counter by TrafficFile.com