23 agosto 2006

Viagem-II


O eco da sirene da ambulância perde-se na minha cabeça. Engraçado, pensei que a repartição fosse mais perto. Os anos passam e um homem perde a noção do tempo. Alguns perdem a noção de humanidade e outros a da verdade. E este miúdo, sentado nas escadas da escola, deve ter perdido os pais.
Viva. Estás à espera de alguém?
Sim. Mas acho que me vou embora.
E quem te vinha buscar não vai ficar preocupado?
Só estava à espera.
Godot. Só pode. Destes posts espero tudo.
Posso ir contigo, índio sem penas?
Bem, vou à repartição. Nada de interessante para um miúdo mas, por mim, tudo bem.
Seguimos ao lado um do outro. É simpática a criança e pergunta muito sobre a minha vida e lá vou respondendo como posso ou sei.
Não, não tenho muitos amigos, sou algo irascível. Basicamente pouco faço, escrevo ideias soltas e há pouco achei que podia contar histórias. Namorada?
Paro. Mal consigo ver o miúdo que me deu a mão há instantes. Um nevoeiro fica sempre bem numa viagem. Avanço sem saber onde dou os passos (no fundo essa tem sido a minha sina). Irrompe do solo um edifício cinzento, geométrico, frio. E Madalena. Não percebo. Madalena, o amor da minha vida, a tristeza da morte que me espera, aqui, à minha frente.
Vai ter com ela, diz o miúdo. Eu vou andando.
Desaparece na réstea de bruma.
Frente a frente olho aquela que uma vez me disse que não podia viver sem mim. Agora, já sem vida, dirige-se na minha direcção.
Olá. Não sei se estou contente de te ver mas por favor, antes de falares, abraça-me.
Encosta a cabeça ao meu queixo enquanto a seguro nas costas. Sinto-me muito triste (obrigado autor por destruíres a amostra de músculo seco que batia no meu peito). E no entanto ela sorri.
Como vai a tua viagem?
Lenta. Estou ansioso por tratar da papelada.
Madalena coloca as duas mãos na minha cara, beija-me os lábios e murmura boa sorte.
Para onde vais?
Para o meu quarto, vês? - diz apontando para a única janela que tem cortinas abertas. Foi dali que te vi chegar.
Afasta-se com a mesma expressão que tinha quando na estação do nosso destino me disse que não podíamos estar juntos.
Nevoeiro. As mesmas escadas, a mesma escola. No interior de um automóvel um homem procura alguém mas não encontra. Repara em mim. Inverte a marcha do carro e acelera no sentido oposto. Ia jurar que o conheço. Talvez da televisão.
Ah, o nevoeiro foi-se. Finalmente, a repartição.

Claro, história que se preze tem três partes pelo que na próxima postagem (mais breve que esta devido a mudanças incluindo Internet) se concluirá a minha viagem. Obrigado pela vossa paciência e amizade.

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